Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

64 JULHO | DEZEMBRO 2018 CREDENCIAL EDUARDO NUNOMURA O noticiário local Para sobreviverem, os jornais dos interiores lutam em busca de rentabilidade, mas optam por atalhos clientelistas que comprometem a democracia brasileira cultivo o estranho hábito de ler jornais. Não um, nem dois, mas de quatro a cinco por dia. Às vezes, se- te ou oito. É como se fosse um vício, mas esse tem sido cada vez mais fácil de largar. E é o que tenho feito, de uns anos para cá. Por dever de ofício, leio Folha , OGlobo ou Estadão e Valor Eco- nômico . Mas como jornalista sei que o Brasil não se resume à agenda im- posta pela imprensa de repercussão nacional. Habituei-me a pescar infor- mações nos jornais dos interiores. Nas redações, sempre conseguia tirar da manga uma pauta bacana por estar a par do que acontecia emalgumcanto do Brasil. A pequena grande impren- sa está repleta de histórias que os bra- sileiros desconhecem. Há quatro anos, iniciei uma pesqui- sa de doutorado na Universidade de São Paulo sobre os jornais locais, en- tendidos aqui como aqueles, de dife- rentes expressões e alcances, publica- dos fora do eixo Rio-São Paulo. Que- ria investigar o estado dessa impren- sa que tantome nutriu de boas pautas e os impactos que ela causa na socie- dade, com base no recorte da cober- tura política. Elegi, por questões me- todológicas, dois momentos cruciais recentes, o impeachment de Dilma Rousseff e as duas denúncias de cri- me de corrupção e formação de qua- drilha contra o presidenteMichel Te- mer, arquivadas pelo Congresso Na- cional. A conclusão a que cheguei, a tesepropriamentedita, é adequeuma imprensa local fraca implica uma de- mocracia nacional fraca. Em um estudo de casos, observei que os jornais dos interiores repro- duziram tal e qual a narrativa vendi- da por Folha , O Globo e Estadão , que diziamque o impeachment de Dilma era um caminho sem volta. O discur- so midiático nacional foi no sentido de que a petista não tinha mais con- dições de semanter no cargo. Quando Temer assumiu, a imprensa em geral deu a entender que a pátria passava para as mãos de um “salvador”. Mas isso até o momento em que surgiram as revelações do grampo da JBS, em que Temer foi implicado criminal- mente. Já os veículos menores trata- ramde ocultar dos leitores a gravida- de das denúncias. Mais que isso, eles se renderam a práticas clientelistas, tentando “salvar” a pele de Temer em busca de algumbenefício político pa- ra o veículo ou as suas regiões. O debate democrático é prejudi- cado por um sistema midiático alta- mente concentrado, como no Brasil, e por práticas arcaicas e clientelis- tas do jornalismo. Os (e)leitores têm se tornado mais céticos, desorienta- dos e desesperançosos. Ademocracia é alicerçada com base no livre fluxo de informações e opiniões. Cidadãos privados do acesso a esses elementos têm menos capacidade de tomar de- cisões políticas ou disposição de par- ticipar da vida pública. Essa situação se agrava enorme- mente por outra questão em curso. Reproduzimos um fenômeno ame- ricano do declínio do jornalismo lo- cal, como fechamento de títulos e en- xugamento de redações. A transição do analógico para o digital tem difi- cultado o negócio jornal nas peque- nas e médias cidades. Hoje é perda de tempo ler noticiário de segunda mão, oriundo das agências de notícias e temperado com a cor local. O risco de acompanhar a chamada fase da “espiral damorte” do jornalis- mo local, contudo, é gigantesco para a democracia. Os americanos parecem já se ter dado conta disso, mas nós não – comalgumas poucas e nobres exce- ções, como o Projor, que recentemen- te publicou o Atlas da Notícia , um le- vantamento que revela o drama dos desertos de notícias no Brasil. Estu- diosos do tema e instituições como o TowCenter for Digital Journalism, o PewResearchCenter e o Institute for Nonprofit News têmrefletido sobre o problema. Soluções começam a apa- recer. Muitos veículos menores, nas- cidos na era digital, têm se especiali- zado emumnoticiáriohiperlocal. Ou- tros têm se agrupado em consórcios para manter as comunidades infor- madas sobre os assuntos das localida- des. Mas nada estancou ainda a san- gria. Nesse cenário, perdemos todos. ■ eduardo nunomura é doutor pela Universidade de São Paulo e professor de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. PLANOS ECONÔMICOS DE ASSINATURAS IMAGENS, ILUSTRAÇÕES E VETORES COM PREÇOS A PARTIR DE R$ 34,00 www.guaranastock.com atendimento@guaranastock.com (11) 4116-8285 C M Y CM MY CY CMY K

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