RESPM-20 anos
entrevista | Maílson da Nóbrega Revista da ESPM | julho/agostode 2014 20 Gracioso — Em 1994, a economia brasileira estava desorganizada pela inflação. Os consumidores lutavam para manter o seu poder de compra de semana a semana, e as empresas tentavam simplesmente sobreviver. Foi preciso uma solução heroica — o Plano Real — para pôr a casa em ordem. Agora, em 2014, a economia está incomparavelmente melhor, mas em processo de queda. O pessimismo se instalou entre os empresários e começa a minar também a confiança do consumidor. As finanças públicas já não mostram o mesmo equilíbrio dos governos de FHC e até mesmo o primeiro governo de Lula. Qual é o seu diagnóstico sobre essa situação? Pre- cisamos de novas soluções heroicas, ou trata-se apenas de dois ou três anos de sacrifícios relativos para colocar a casa em ordem outra vez? Ma í lson — De fato, a economia vive um mau momento, em que se somam baixo crescimento, inflação acima do teto da meta, deficit cres- cente em conta corrente da balança de pagamentos, taxa de investimen- to em queda e confiança dos agentes econômicos nos níveis mais baixos dos últimos tempos. Isso é a conse- quência essencialmente de fatores internos e não da crise internacio- nal, como alega o governo, embora esta possa ter alguma influência na situação atual. A origem maior do problema é doméstica, resultado de erros de política econômica, prin- cipalmente estímulos inadequados ao consumo, elevação dos gastos públicos e largo uso de contabili- dade criativa para fazer crer que o governo cumpre metas fiscais. A credibilidade da política fiscal está na lona. Nada disso, porém, reclama medidas heroicas como em períodos anteriores. É preciso apenas repor a gestão do país nos trilhos, com o restabelecimento do tripé de polí- tica econômica, retomada de refor- mas fundamentais — como a tribu- tária e a trabalhista —, abandono do protecionismo excessivo e a revisão de subsídios a grupos privilegiados via empréstimos do BNDES e deso- nerações tributárias, para citar as medidas mais urgentes. Gracioso — Falando agora de opiniões que o senhor já expressou anteriormen- te, gostaríamos que fizesse uma revisão dos conceitos básicos emitidos em seu documentário O Brasil deu certo. E agora? , lançado no ano passado. Como se sabe, o governo atual criticou a “pou- ca atenção” dada às suas conquistas. Em face da realidade atual, o que o senhor mudaria ou acrescentaria a este documentário hoje? Maílson — Eu nada mudaria no do- cumentário. A ideia do filme foi a de mostrar que o Brasil realizou muito desde a Independência, ainda que pudéssemos ter ido mais longe, par- ticularmente com melhor atenção à educação. A partir da democratiza- ção, construímos instituições — de- mocracia, Judiciário independente, imprensa livre e independente, no- vas crenças da sociedade e mercados sofisticados — que criam limites à continuidade de maus governos. Cruzamos uma linha divisória da qual não há mais retorno. As novas instituições brasileiras não garan- tem a melhor escolha dos líderes, mas evitam que os maus nos condu- zam a desastres. São baixíssimos os riscos de virarmos uma Argentina ou uma Venezuela. Ainda não fica- mos ricos, mas fincamos as bases que nos protegem de ingressar em um círculo vicioso de pobreza. Mui- to dependerá de líderes, mas nada indica que não possamos almejar a entrar no clube dos países ricos, ain- da que emmuitas gerações à frente. Gracioso — Que aspectos da nossa economia o senhor destaca como marcos, nas últimas duas décadas, Aorigemmaior do problema é doméstica, resultado de erros de política econômica, estímulos inadequados ao consumo, elevação dos gastos públicos e largo uso de contabilidade criativa Quando era estatal, a Embraer quase quebrou. Apósaprivatização, virou a terceiramaior fabricantes de jatos comerciais domundo
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