RESPM-20 anos
mídia impressa Revista da ESPM | julho/agostode 2014 204 No entanto, nunca na história se praticou jornalismo com a qualidade que a mídia impressa nacional atingiu hoje. Com todas as dificuldades inerentes ao exercício de busca da verdade factual e da análise independente e imparcial, conseguimos um grau de profissionalismo e de padronização de processos que não fica a dever às referências do jornalismo praticado nos Estados Uni- dos e na Europa. Essa qualificação e independência, também caracte- rísticas de outras instituições brasileiras — destaque-se, emespecial, o Supremo Tribunal Federal —, são elemen- tos importantes da resistência do sistema democrático no Brasil, a despeito de insistentes tentativas de açoda- mento por parte de grupos ideológicos ligados ao partido no poder. O contraste compaíses vizinhos, como Vene- zuela, Bolívia e Argentina, é flagrante. Por outro lado, éevidenteacorrosãodomodelodenegó- cios que até hoje sustentou amídia impressa (e também as demaismídias tradicionais, embora omovimento no Brasil seja retardadopor característicasdomercadonacio- nal). A simples análise dos balanços dosmaiores grupos de mídia permite detectar essas tendências: o negócio tradicional está estagnado ou emqueda, enquanto cres- cemoutras unidades (inclusive de atividades relaciona- das ou derivadas da indústria jornalística). Énecessárioreconhecerqueonegócio jornalísticopuro será cada vez menor, porque as receitas serão menores (portanto, as despesas terão de se adaptar). A circulação dependerádequão relevanteeexclusivo for oconteúdo—e dequantoa empresaprodutora estarádisposta adefender esseconteúdodereplicaçõesgratuitas,pormeiodo paywall , por exemplo. A publicidade será maximizada (dentro de certos parâmetros que não se comparam às cifras ante- riores), àmedida da habilidade tecnológica — como o SEO (do inglês Search Engine Optimization ) — e das parcerias. Um anunciante, quando contrata publicidade, quer simplesmente encontrar clientes e vender seus produtos ou serviços. Quando a cadeia da distribuição é radical- mente alterada (comomostra o estudo do Town Center), os caminhos para chegar a tais clientes — ou para que os próprios clientes encontrem os fornecedores — se multiplicam. Não há mais apenas mídia impressa ou de radiodifusão, mas uma enormidade de sites de con- teúdo, em geral sob o guarda-chuva de grandes plata- formas tecnológicas. Ou, ainda, market-places que per- mitem conectar diretamente fornecedores e clientes, sem intermediações (possibilitando ao cliente percorrer a cadeia completa, do anúncio à compra e pagamento por meios digitais). Nessecenáriodisruptivo, ondeparadigmasestãosendo quebrados, um elemento — talvez o mais decisivo — não muda: a intenção do publisher de fazer jornalismo rele- vante. Jornalismo foi e sempre será opção, não negócio puro — embora a necessária independência financeira, quegarante a independência editorial, exijauma empresa forte que lhe dê sustentação contra as pressões, emespe- cial as dos governantes. Diferentemente de um empreendedor comum, um publisher que preze suamissão jamais poderia avançar emsearas que lhe rendessemganhos imediatos, se para tanto precisasse invadir o terreno do jornalismo. Nas empresas jornalísticas sérias, a fidelidade do publisher aos princípios jornalísticos sempre impediu a maximi- zação dos lucros, se isso significasse confundir publi- cidade com conteúdo jornalístico, ou, como se diz no jargão, misturar Igreja com Estado. Por isso, esse negócio tradicionalmente foi carac- terizado pelo empreendedorismo individual ou de famílias que mantiveram estreito controle da missão editorial — às vezes, suportando prejuízos do negócio jornalístico com recursos pessoais ou de outras ativi- dades. Essa indústria nunca pode existir puramente sob a espada do mercado, da exigência de lucros ime- diatos. Agora, mais do que nunca, será decisão de quem acredita no papel do jornalismo. Judith Brito Diretora-superintendente do grupo Folha Ricardo Pedreira Diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) Onegócio jornalísticopuro será cada vez menor. Acirculaçãodependeráde quão relevante for o conteúdo e dadefesade sua replicação gratuitana internet C M Y CM MY CY CMY K
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