RESPM-20 anos
Ética Revista da ESPM | julho/agostode 2014 34 Um terceiro domínio, em que o Brasil tinha uma ati- tude negligente sobre a atitude pública e há alguns anos vemse esforçando para disciplinar, é o trânsito. A crítica da imprudência, da inconsequência e da irresponsabi- lidade dos motoristas está se tornando cada vez mais vigilante e mais rigorosa. Recentemente, a lei descar- tou a antiga prerrogativa prática de dirigir sob efeito do álcool, tornando isso crime, em processo amplamente aprovado pela sociedade. Oabuso da velocidade e a dire- ção temerária passaram de valorizadas a criticadas, ainda que sem ter provocado grandes efeitos. O desres- peito ao pedestre, ao ciclista e ao motociclista vem se tornando anátema, exemplos de conduta antissocial. Essa percepção está se disseminando em velocidade elevada, apesar de sempre surgirem exemplos contrá- rios. Da mesma repetição de episódios negativos se ali- menta a crítica social dessa cultura de privilégios, de egocentrismo e de falta de rigor ético. Em se mantendo o empenho, emmais uma ou duas gerações, muito pro- vavelmente, seremos pessoas mais respeitosas das implicações e das responsabilidades de se dirigir num ambiente altamente coletivo como o trânsito. A dimen- são pública desse bem coletivo será cada vez mais bem compreendida. Novamente, o país usa da imposição legal para induzir à interiorização da atitude respon- sável. Essa parece ser a tática mais fácil e eficaz para transmitir novas atitudes. Examinando sob umolhar pessimista, emtodos esses campos, o país aparentemente colhe seguidos fracassos. Mas, se adotamos uma visão históricamais ampla, esse empenho das nossas últimas gerações emcriar umpaís mais sério, mais reto, mais comprometido com valores e exigências da vida republicana, desencadeou umpro- cesso que já se consolidou na cultura do país e, muito provavelmente, vai prosseguir e se aprofundar. Se esse rumo ideológico não for revertido, risco que sempre existe, em poucas décadas o Brasil deverá estar bem mais estruturado do ponto de vista ético. Em alguns pontos, contudo, o país parece regredir em termos de severidade social. O principal e mais evi- dente deles é o problema da criminalidade, sobretudo os crimes violentos, produzidos com armas de fogo. Por razões que caberia aprofundar, mas que provavel- mente estão associadas à ideologia antirrepressiva das gerações que combateram a ditadura militar, o país seguiu uma trilha de atenuação da gravidade de fatos com uma visão otimista das possibilidades de recu- peração das condutas transgressoras. Não se chegou ao extremo de justificar a violência realizada contra vítimas indefesas, mas houve umprocesso de abranda- mento de penas e regimes carcerários, enquanto grande parte da nossa severidade era dirigida às forças poli- ciais, até pela ideologia antimilitarista pós-ditadura. A razão era estranha: conscientes do ambiente de degradação moral e física das nossas prisões, conven- cidos de que elas são formadoras da atitude criminosa e não da recuperação do cidadão, reduzimos significati- vamente a penalização comprivação de liberdade. Com uma elevada convicção nas possibilidades de recupera- ção da atitude criminosa, adversária da punição exces- siva, a legislação brasileira se tornoumais complacente em termos do período de reclusão por atos criminosos. A lei passou a facultar uma rápida progressão do regime penal fechado para o regime semiaberto. O país, que já não tinha tradição de penas muito pesadas, passou a abreviar o tempo de execução das penas. De qualquer maneira, e independentemente do quão justificável seja, o fato é que a execução da pena em regime fechado com uma fração do período total, num país que tem a pena máxima de reclusão estabelecida em 30 anos de cadeia, parece estar gerando a percep- ção, por grande parte da população, de leniência para comatos criminosos. As prisões continuamabarrotadas de gente, demasiados crimes levam à pena de privação de liberdade, esses ambientes têm sua qualidade mate- rial e moral fortemente deteriorada, mas a sensação da população é antes de indulgência excessiva. E o com- portamento criminoso não parece se condicionar pela ameaça de umperíodo de prisão. Banalizou-se entre os criminosos a passagem pela prisão. A percepção de que nosso Código Penal é pouco severo está se disseminando pela sociedade. A julgar pelo avanço da violência, também foi assim percebida Novas gerações estão chegando à idade da vida social semumanoção clara de seus deveres públicos e privados. Avidapública clamapor ética
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