Revista da ESPM
história Revista da ESPM | Janeiro/fevereirode 2015 128 qualquer outro (nomeação para cargos, liberação de emendas etc.). No Brasil, o presidente da República pode preencher livremente cerca de 20 mil cargos. Usa essa prerrogativa para compor a sua maioria par- lamentar, trocando cargos por apoio no Congresso. Eleito pela maioria dos votos válidos, por dezenas de milhões de pessoas, o presidente se vê na continência de atender às demandas setoriais de sua base parla- mentar. O quadro não é essencialmente diferente nos estados e municípios. O loteamento do Estado em sesmarias partidárias agride a sensibilidade democrática que se espalha e cria raízes na sociedade brasileira. O eleitor cidadão, essa figura que se vai fortalecendo, rejeita esse padrão de representação e gestão não apenas porque percebe ser ele ineficiente no uso dos tributos arrecadados, mas porque reproduz privilégios inaceitáveis para uma sensibilidade mais democrática. É a mesma sen- sibilidade que condena o tratamento privilegiado que o Judiciário dispensa a quem possa contratar advoga- dos de influência e prestígio e, com isso, valer-se das inúmeras possibilidades que o sistema oferece para postergar ao infinito a punição de um delito. Não é demais acrescentar que a presença do eleitor cidadão émais forte nos grandes centros urbanos, onde tambémémaior o descasamento entre oferta e demanda de serviços públicos de qualidade, e mais tênue é o vín- culo da representação política (vínculo favorecido pela proximidade entre eleitor e eleito nas cidadesmenores). Uma mudança cultural em andamento Os avanços das últimas duas décadas se fizeram no caminho aberto pela Constituição de 1988 e pelo Plano Real. Agora, as transformações na sociedade brasileira exigem saltos maiores nas condições mate- riais de vida e também no campo da moral pública. É claro que o esgotamento do ciclo de dez anos de cres- cimento alto, inflação baixa e significativa redução da pobreza e mesmo da desigualdade explica parte do mal-estar atual. Mas se engana quem imaginar que basta um novo ciclo favorável da economia para que o mal-estar se desfaça. É igualmente equivocado pensar que estejam desconectadas as demandas no campo da vida material e no campo da moralidade pública. A reivindicação por serviços públicos de qualidade vem de mãos dadas com a paciência cada vez menor com o mau uso dos recursos arrecadados e a manutenção de privilégios. O mal-estar não é da “elite branca” nem representa uma reedição do velho moralismo udenista. É um fenômeno social muito mais amplo, em que demandas substantivas por mais acesso a bens e serviços se combinam com reclamos por maior transparência e responsabilização de quem está investido de poder. Poderia aqui enumerar reformas importantes para atender aessa “novaagenda” dademocratizaçãonoBrasil. Prefiro, no entanto, para concluir, reiterar que nenhuma delas implica ruptura com as escolhas fundamentais que consolidamos nos últimos 20 anos, tampouco uma reviravolta no arcabouço jurídico institucional do país. Talvez tão ou mais importante do que elas seja o forta- lecimento, pela multiplicação do exemplo concreto, de novas formas de fazer e agir na esfera pública. Emtermos amplos, estamos falando de umamudança cultural, que nos afaste definitivamente do mundo tra- dicional do clientelismo, marcado pelas relações de favor e subordinação ao mando pessoal, e do patrimo- nialismo, caracterizado pela confusão entre o privado e o público na gestão do Estado. O clientelismo vem minguando mais rápido do que o patrimonialismo. A cultura dos direitos individuais e coletivos se dissemi- nou pela sociedade, erradicando virtualmente a atitude subserviente ante o poder e a naturalização das hierar- quias sociais (processo incompleto, pois falta a outra metade: a disseminação de uma cultura de respeito ao direito alheio e obediência à lei). Já o patrimonialismo assumiu novas formas e sobrevive com força, sob o conceito do corporativismo (corporação que desfruta de privilégios assegurados pelo Estado) e do desvio de recursos públicos para fins privados de partidos, polí- ticos, agentes estatais e empresas. Sou otimista. Se os “velhos padrões” ainda sobrevi- vem, é possível observar, ao menos quando tomamos uma perspectiva histórica e não conjuntural, que os Cresce a olhos vistos adescrençada população emrelação aos governos, aos políticos e às instituições políticas, emparticular oLegislativo
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