RESPM-JUL_AGO-2015-alta

entrevista | Jan Gehl Revista da ESPM | julho/agostode 2015 72 Revista da ESPM — Lançado em2010, o livro Cities for people (Cidades para pessoas. Editora Perspectiva, 2014) abriu a discussão sobre a importância da hu- manização da arquitetura no ambiente urbano. De lá para cá, qual foi a repercus- são de sua obra? Gehl — O mais impressionante é que, em apenas cinco anos, o livro se espa- lhou por todo o mundo e foi traduzido paramais de 20 idiomas. Temos ainda outros seis contratos de publicação em andamento. Então, eu percebi um interesse surpreendente pelos temas que o livro aborda. Revista da ESPM — De que maneira o senhor sintetizaria o seu conceito de ci- dades para pessoas? O que isso implica na prática? Gehl — O livro procura abordar as deficiências implícitas nos para- digmas de planejamento urbano da arquitetura moderna. A ideia foi mostrar os erros de um modelo baseado no automóvel, construindo cidades feitas para tornar o carro feliz e não as pessoas. A minha tese destaca a importância de se construírem espaços urbanos para tornar as pessoas mais felizes. Criar um ambiente coletivo mais agradá- vel e convidativo para que se cami- nhe pelas ruas, criando harmonia entre os cidadãos. Essencialmente, essa fórmula visa tirar a atenção dos edifícios e dos carros e oferecer aquilo que torna a nossa vida mais simples e agradável. Revista da ESPM — O senhor costu- ma citar cidades italianas do Renas- cimento, como Florença, Pisa e Siena, como inspiração de um modelo urbano pensado para as pessoas. O que essas cidades do passado tinham em comum e que, em algum momento do tempo, nós perdemos? Gehl — Essa questão é muito sim- ples. As cidades antigas sempre foram dimensionadas para atender às necessidades das pessoas. Havia uma grande ênfase nos espaços públicos, porque era neles que resi- dia a vida das cidades. Os espaços de convivência tinham um papel muito mais relevante do que os edifícios. O que perdemos nesse processo foi inverter as prioridades para ceder espaço aos veículos. O problema dessas cidades modernas — e eu uso Brasília como um símbolo desse movimento — foi colocar enor- mes edifícios separados por gran- des espaços vazios como modelo de urbanização. São cidades feitas para serem vistas do alto de um avião e não ao nível do chão, onde as pessoas efetivamente vivem. Não é um modelo funcional para quem precisa se deslocar de um lugar para outro. É o que eu chamo de Síndro- me de Brasília. Revista da ESPM — O senhor é um observador próximo das cidades brasi- leiras e da América do Sul. Além de Bra- sília, que cidades o senhor destacaria por seus pontos positivos e negativos em termos de projeto urbano? Gehl — Eu conheci algumas grandes cidades brasileiras: Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Sal- vador. Foi uma viagem curta e, por isso, não tive oportunidade de co- nhecer profundamente cada cidade para construir uma avaliação mais precisa. Mas eu fiquei muito bem im- pressionado com o que tem sido feito em Curitiba, que serviu de exemplo para diversas cidades em todo o mundo. O conceito de planejamento baseado em transporte público é um excelente modelo, semdúvida. Revista da ESPM — O que ocorre nas cidades brasileiras é um fenô- meno comum em toda a América Latina, na África e na Ásia: cidades que crescem demasiadamente, crian- do um enorme cinturão de pobreza e qualidade de vida precária. Que solu- ções o senhor aponta para os países em desenvolvimento para humanizar as grandes metrópoles? Gehl — Eu tomo como exemplo Bogo- tá, na Colômbia: a cidade foi replane- jada para oferecer mais mobilidade aos pobres. Não facilitando a oferta de carros, mas com mais espaços para caminhar, andar de bicicleta e ter acesso ao transporte público. A ideia central é a de que a maioria das pessoas não dispõe de automóvel, por isso é preciso criar um sistema em que elas possam se movimentar pelo espaço urbano e encontrar tra- As cidades antigas sempre foramdimensionadas para atender às necessidades das pessoas. Haviauma grande ênfase nos espaços públicos, porque eraneles que residia a vidadas cidades

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