RESPM-MAI_JUN-2015-alta

entrevista | Julio Ribeiro Revista da ESPM |maio/junhode 2015 130 Revista da ESPM — No momento em que agências e empresas sofis- ticam a abordagem de marketing, trazendo de pesquisas etnográficas a neurociência para o dia a dia da comunicação, o Brasil volta a conviver com inflação alta, recessão e desem- prego. Vai ser preciso voltar ao básico? Julio Ribeiro — Eu sempre acreditei que consumo se baseia em apenas dois fatores. O primeiro é a neces- sidade: na hora em que teu terno rasgar, você vai precisar comprar outro. O segundo é o impulso. Você vê um carro, começa a se interessar por ele e compra. Depois vai pensar em como pagar. Desde que o mundo é mundo, basicamente todas as compras se baseiam nesses dois elementos. Minha mulher vai ao su- permercado duas vezes por semana, porque tem gente que precisa comer lá em casa. Agora, ela tem impulsos. Ela vai ver uma coisa linda para a casa e pode acabar comprando. Fora desses dois fatores, ainda não des- cobri nenhum outro que estimule a pessoa às compras. Revista da ESPM — Você resumiria a motivação do consumidor ao binô- mio necessidade e impulso? Julio — Sim, porque todos os outros fatores que determinam a compra são sempre consequências de uma dessas duas coisas. Eu estudei bas- tante os mecanismos dos shopping centers e cadeias de lojas durante os mais de 30 anos em que cuidei da Talent. A primeira providência que eu tomava, se surgia um problema, era conversar com o cliente e visitar os outlets onde ele vendia. Revista da ESPM — O que aprendeu nesse corpo a corpo com o cliente? Julio — A decisão de não comprar pode ser decorrente de ignorância [do consumidor sobre o produto], de defeito do produto ou do preço. O desejo de comprar é uma parte do teu organismo. Você tem desejos de muitos tipos: de viajar, desejo sexual, de possuir. E tem as neces- sidades: quando você casa, precisa mobiliar a sua casa. Nunca encon- trei uma terceira razão para alguém executar uma compra. Essa é uma simplificação que, de certa forma, desmistifica essas preocupações psicológicas e sociais de que o ho- mem compra por se sentir inferiori- zado ou algo assim. Eu não acredito nesse tipo de coisa. Revista da ESPM — Essa seria uma regra imutável do consumo, à prova de inovações? Julio — As pessoas sempre fizeram o fio para fazer o tecido e, com ele, fazer a roupa, porque as pessoas precisam se vestir. O primeiro im- pulso de comprar é a necessidade. Nasce um bebê na sua família. Ele tem frio? É preciso comprar roupa. São necessidades que você tem de atender. Revista da ESPM — Seu ponto seria que talvez essa ânsia de trazer neuro- ciência, antropologia e novas aborda- gens para a compreensão do consumo e do marketing pode estar fugindo do essencial? Julio — A questão é que se você não partir do simples, não chegará aos impulsos das pessoas. Mas, se estudar a evolução da sociedade, descobrirá que a compra é sempre por necessidades ou por impulso. Depois de 30 anos, já atendi todas as empresas que você possa ima- ginar: General Motors, Ipiranga, Brastemp... E percebi que todo o tipo de produto se vende por uma dessas duas razões. Cada uma dessas ra- zões tem subdivisões, mas se você não entender a razão básica por trás dessas coisas, começa a flutuar sem nenhuma amarração. Eu vejo a pro- paganda dos automóveis. Ela está limitada apenas a mostrar o carro. Não tem razão para você comprar que não seja ver o carro. Revista da ESPM — Qual é o papel da pesquisa na sua abordagem do consumo e do marketing? Julio — Fiz uma pesquisa para a Ford. Fui a um enorme revendedor Ford, com um salão lindo, e fiquei lá uma tarde. Eu não vi nenhum vendedor levantar da mesa para atender quem entrava. Não iam vender mesmo. A necessidade de Eu sempre acreditei que consumo se baseia em apenas dois fatores. Oprimeiro é a necessidade: na hora emque teu terno rasgar, você vai precisar comprar outro. O segundo é o impulso

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