RESPM-MAI_JUN-2015-alta
Consumo Revista da ESPM |maio/junhode 2015 136 N os últimos anos, o Brasil sofreu uma das mais profundasmudanças da sua história. Deixou de ser um país com uma estrutura de pirâmide social — coma populaçãomais concentrada na base da pirâmide — e se transformou em um país com uma estrutura de losango social, ou seja, com a maioria da população localizada no centro da figura que representa a distribuição econômica. Com mais poder aquisitivo, forte processo de distribuição de renda, ganho real do salário-mínimo emais geração de emprego, milhões de brasileiros saíram da pobreza e o país viu nascer o que se convencionou chamar de “nova classemédia” ou “nova classe C”, então protagonista de um mercado interno crescente. No Data Popular, ins- tituto de pesquisa pioneiro em estudar essa “fatia” da população, utilizamos umcritério econômico que clas- sifica como classemédia famílias com renda per capita entre R$ 338 e R$ 1.184. Não se trata de classe social, é essencialmente uma classificação econômica. Para entender a classe média, é preciso também entender a diferença entre os bancarizados e os não bancarizados. Graças ao aumento do emprego formal, o Brasil passou a ter aumento gigantesco de pessoas bancarizadas. Hoje, mais da metade da população (e da classe média) possui conta corrente ou poupança ativas. Mais brasileiros com conta em banco significa mais pessoas comacesso ao crédito, por exemplo. Con- tudo, mesmo diante desse cenário promissor, ainda há outra parcela significativa de brasileiros que não é atendida pelos bancos e movimenta mais de R$ 600 bilhões por ano. É muito dinheiro para ficar guardado “debaixo do colchão”! Sabemos que o consumo das famílias é sempre o ele- mento do PIB quemais cresce. Mas não dá para falar de consumo sem explicar qual o significado de consumo para a nova classemédia. E esse entendimento só é pos- sível quandomoramos na casa dessas pessoas. NoData Popular, tive o privilégio de fazer algumas vezes o que chamamos de pesquisa etnográfica, aquele estudo no qual os nossos pesquisadores — na maioria sociólogos e antropólogos — vãomorar por umdeterminado tempo na casa dessas famílias. Numa dessas pesquisas fiquei uma semanamorando na casa de uma família, na zona leste de São Paulo, que era chefiada por uma mulher. Só assim pude começar a entender o que e como esse público consome. Fui muito bem recebido por essa família, que morava em umapartamento de 39metros quadrados. Logo nos pri- meiros dias, percebi que eles demonstravam certo dis- tanciamento, mas issomudou quando repeti o prato de comida pela primeira vez. Depois disso, vi uma sensa- ção de alívio nos rostos de todomundo. Imediatamente, a dona da casa disse que estava aliviada, pois achava que eu não tinha gostado do tempero da comida que ela preparava com muito carinho. Já o marido dispa- rou: “Achei que você tinha pensado que eu era pobre e que não tinha condições de te oferecer dois pratos de comida”. Naquele momento passei a entender que o fato de poder oferecer é um valor para essa nova classe média. O prato cheio e a fartura são valores simbólicos que evidenciam a melhora da qualidade de vida que eles tiveram nos últimos anos. Inquieto, sentia que precisava entender mais sobre aquela realidade, tão diferente da minha. Sou filho de psicólogos e faço parte da terceira geração de univer- sitários da minha família. Como sou apaixonado por gente e por histórias que têmo poder deme fascinar, fui vivenciar a realidade de outra família da classe C. Nessa outra pesquisa, descobri que, muitas vezes, consumir é um investimento para o desenvolvimento da família. Isso fica mais claro quando uma mãe compra um com- putador para o filho, sonhando com a chance de ter o primeiro doutor da família. Emmuitos casos, consumir significa proporcionar mais condições para a melhora da qualidade de vida da família. Nessa minha busca por conhecer de perto as neces- sidades das famílias mais pobres, perguntei a uma dona de casa, que estava radiante por ter comprado sua primeiramáquina de lavar roupa, se ela tinha feito as contas para saber o quanto de juros estava pagando a mais ao parcelar a compra no carnê. Muito segura, ela respondeu que sabia dessa diferença. Não conven- cido da resposta, questionei se não era melhor ela ter Se a classemédiabrasileira formasse umpaís, estarianoG20do consumo mundial. Aclassemédia (ou classeC) não émais umnichodemercado
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