RESPM-MAI_JUN-2015-alta

Comportamento Revista da ESPM |maio/junhode 2015 142 C omoenvelhecimentodapopulaçãomundial, o debate sobre a velhice passa a ser essen- cial. Mesmo no Brasil, tradicionalmente considerado um país jovem, a representa- ção gráfica da distribuição da população por idade já não configura uma pirâmide comampla base de recém-nas- cidos, crianças e jovens e percentuais decrescentes de adultos e idosos. Motivado pelo desenvolvimento social do país, o progressivo amadurecimento da nossa popu- lação resulta da conjugação entre a expressiva redução nas taxas de natalidade e demortalidade infantil, aliada ao significativo aumento da longevidade. Osdadosreferentesaotempomédiodevidadobrasileiro demonstramumacréscimosuperiora11anosentre1980e 2013. Pelasprojeçõesdo InstitutoBrasileirodeGeografiae Estatística(IBGE),empoucasdécadasteremosumpercen- tual de idosos no Brasil semelhante ao do Japão, país que hojepossuiomaiorcontingentedevelhosemsuapopulação. Diante desse cenário emtransformação, vale a pena refle- tir sobre a velhice para emseguida discutir o preconceito acionadopelosestereótiposnegativosassociadosaovelho. Em A velhice: a realidade incômoda (EditoraDifel, 1976), obraquesetornoureferêncianoâmbitodasciênciashuma- nas e sociais, Simone de Beauvoir observa que “a velhice é umdestino e nos deixa estupefatos quando se apodera de nossa própria vida”. A autora relata ter entreouvido no comentário de uma aluna americana a palavra velha pela primeira vez associada à sua pessoa. No vigor dos seus 50 anos à época e instigada pelo efeito perturbador da associação incômoda, Simone empreendeminucioso estudo no qual põe em questão a velhice como fato bio- lógico, denuncia a ambiguidade do termo e constata ser “impossível encerrar essa pluralidade de experiências num conceito ou numa noção”. Afirmando ser a velhice um“fato cultural”, ela conclamouos leitores à luta contra a “conspiração do silêncio” usada para escamotear o des- caso de nossas sociedades em relação aosmais velhos. Consoante comos ensinamentos de Simone, embora sempartilhar de seu viés catastrófico, entendemos ser a velhice uma experiênciamultifacetada e uma categoria de referênciadúbia e imprecisa. Éumequívoco supor que esteja atrelada a uma suposta cronologia fixa demarca- dores etários. De modo semelhante, é ingênuo tomá-la como um fenômeno natural decorrente da inexorável passagem dos anos no decurso da vida. Para além de suas determinações temporais e biológicas, a velhice é uma construção sociocultural marcada por uma série de fatores de ordem econômica, familiar, de gênero, de estilo de vida, para citar apenas algumas variáveis dessa delicada construção. Nesse contextodo envelhecimento das populações em todo omundo, émais do que neces- sário reconhecer a dimensão sociocultural da velhice. Não há consenso sobre quando exatamente começa- mos a ser classificados como velhos. OEstatuto do Idoso emvigor trata dos direitos dos brasileiros emidade igual ou superior a 60 anos. Nossa Previdência Social concede aposentadoria para homens a partir de 65 anos e para as mulheres com 60 anos ou mais. A definição desses parâmetros motiva permanentes e renhidas disputas. Evidentemente, a idade se articula com outras catego- rias sociais. Não se trata de um conceito estático. Está sujeito a variadas definições, de acordo como contexto. Compreende-se assimadificuldadedeprecisar, demodo definitivo, emque idade se atinge o patamar da velhice. Alémde imprecisa, avelhiceé tambémraramenteuma categoriadeautoidentificação. ParaSimonedeBeauvoir, a velhiceéooutro.Noartigo“Fronteirasdegêneroeasexua- lidadena velhice”, publicadoem2012na RevistaBrasileira dasCiênciasSociais ,GuitaDeberteMauroBrigeirochamam a atenção para esse fato ao constatar em suas pesquisas decunhoetnográficoque “velhoé sempreooutro”. Issose deve, emparte, aumapercepçãonegativadavelhicecomo decrepitude condenada ao ostracismo social. A terceira idade e a mediação do consumo Autor de A fresh map of life: the emergence of the third age (Editora Weidenfeld & Nicolson, 1989), Peter Las- lett foi um dos primeiros a utilizar a expressão “ter- ceira idade” para definir uma etapa da vida. Em sua obra, ele aponta a necessidade de uma compreensão mais refinada do envelhecimento — e notadamente da aposentadoria, que passa a ser ressignificada como o momento privilegiado em que se teria conquistado o direito de se dedicar a atividades voltadas ao desfrute da vida. Nesse estudo, que de certomodo fundamenta o Hoje se entende a terceira idade como uma categoria construídapelamediação do consumo, instânciaque nomeia o nosso tempo como a erado consumo

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