RESPM-MAI_JUN-2015-alta

maio/junhode 2015| RevistadaESPM 29 O homem, criação imperfeita, ainda não aprendeu a controlar os desejos. “O desejo é um ótimo escravo, porém umpéssimo senhor.” Desejos insaciáveis remetem às lendas de Sísifo e das Danaides, extraídas da mitologia grega, ambas retratando ”castigos” para toda a eternidade. Sísifo foi condenado por Júpiter a empurrar morro acima uma enorme e pesada pedra, que, assim que alcançava o topo, rolava morro abaixo, enquanto a sina das Danai- des era encher um barril furado. A escalada sem-fim dos desejos ilimitados conduz a um verdadeiro beco sem saída. Como não há limite para os desejos do ser humano, nenhum produto con- segue satisfazer plenamente desejos sem-fim, fonte permanente de ansiedade e frustração. “Pois não há padrões a cujo nível se manter quando a linha avança junto como corredor”, detalhamHugo Assmann e Jung Mo Sung, no livro Competência e sensibilidade solidá- ria (Editora Vozes, 2000). Alguma semelhança com a insaciabilidade de tan- tos consumidores — que mal deixam um shopping, já adentram o seguinte? A sociedade de consumo incentiva amultiplicação e a força desses desejos que, de tão poderosos, são ”trans- formados” emnecessidades (artificiais), não oriundas da condição psicobiológica do ser humano, mas do ambiente demercado. É como resume Jean Baudrillard, em A sociedade de consumo (Editora Edições 70, 1995): “Era uma vez umHomemque vivia na Raridade. Depois demuitas aventuras e de longa viagematravés da Ciên- cia Econômica, encontrou a Sociedade da Abundância. Casaram-se e tiverammuitas necessidades”. Esta é de fato a face perversa do consumo: trans- mutado em consumismo, provoca a dependência nos consumidores, muito bem batizados em inglês como ” Shopaholics ”. E é aí que reside o grande risco para o sujeito, como explica Zygmunt Bauman, no livro Vida líquida (Editora Zahar, 2007). “A sociedade de consumo tempor base a premissa de satisfazer os desejos huma- nos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pôde realizar ou sonhar. A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado.” Na forma, deve-se acrescentar, de novos desejos criados ou despertados pelomercado, em uma espiral infinita. O equilíbrio e a sensatez de alguém imerso na socie- dade de consumo — como quase todos nós — residemem uma mera palavrinha de três letras: N Ã O Onão que significa simplesmente: “Comome sentiria se eventualmente eu não pudesse mais consumir tal supérfluo?”. Emoutras palavras: “Quanto eu iria sofrer?”. O que, traduzido de forma simples, significa “NÃO consigo viver bem sem tudo isso”. Pois, ao contrário do que pensamaqueles intelectuais imersos nas humani- dades mencionados no início do artigo, comer caviar não é consumismo. Um vinho de R$ 300, tampouco. Nemmesmo a demonizada Miami é consumismo. Ou ainda o desembolso de R$ 20 mil para viajar na pri- meira classe. São livres escolhas. Afinal, quem aufere uma renda de, digamos, R$ 100 mil ao mês, pode se dar esses luxos. Habitaçãoénecessidade.Masquantosmetrosquadrados configuramuma residência”digna”por habitante? Apartir dequemetragemamoradiaconfiguraumdesejo? Umahabitaçãode6,5metrosquadradosseriaaceitável? Ademarcação das fronteiras entre necessidades e desejos não é nítida, “embaçando” o conceito da “digna sobrevivência biopsíquica” latinstock

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