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entrevista | Gary Gereffi Revista da ESPM | setembro/outubrode 2015 114 Revista da ESPM — Em seus estudos sobre cadeias globais de valor, o senhor aponta que em 2009 as exportações mundiais de bens intermediários exce- deram o valor das exportações de bens finais, alcançando 51% das exportações de mercadorias. De quanto é esse per- centual atualmente e quais são os signi- ficados e os principais desafios gerados a partir desse crescimento? Gereffi — É interessante voltarmos um pouco antes da obtenção desses 51% — que é um número alto — para avaliar o quemudou. Se você observar a economia global nos anos 1970, o que existia eram grandes economias nacionais que produziam tudo in- ternamente e exportavam produtos finais. Nas quatro décadas seguintes, até os anos 2000, as empresas passa- ram a criar redes globais, nas quais diferentes partes dos produtos eram produzidas em países diferentes, como fábricas sem fronteiras. Cada país passou a manufaturar uma parte da cadeia, as peças eram enviadas para a montagem em outros países, até o produto final ser novamente vendido nos mercados desenvolvidos. Esse é o motivo pelo qual o fluxo de bens intermediários cresceu tanto, a ponto de assumir a maior fatia das ex- portações no mercado global. É tam- bémpor essa razão que a Organização Mundial do Comércio (OMC) optou por mudar a maneira como fazia suas estatísticas de comércio exterior. Com tantos bens intermediários sendo contabilizados duplamente, o valor total das exportações medido pelos métodos tradicionais tornou-se muito mais alto do que o valor agregado ver- dadeiro de cada produto. Revista da ESPM — Qual foi o impac- to dessamudança de critério estatístico? Gereffi — A partir da década de 2010, essas mudanças foram implemen- tadas e o que temos hoje é uma con- centração maior de comércio puxada pelasmaiores economias emergentes, como China, Brasil e, em algum grau, México e Turquia. Em resumo, das economias nacionais de 1970, passan- do pela fragmentação nos anos 2000, vemos agora uma reconsolidação do comércio global puxado por grandes mercados. A crise de 2008 e 2009 teve impacto nesse processo, uma vez que as economias mais ricas reduziram suas importações e afetaram as ex- portações dos países emergentes e, consequentemente, a transação de bens intermediários. Mas a mudança de maior impacto foi que economias emergentes importantes, como a do Brasil, se tornaram muito mais concentradas em grandes grupos, as- sumindo umpapel maior na produção de bens finais internamente. Revista da ESPM — Isso significa, então, que o peso da transação de bens intermediários tende a diminuir? Gereffi — Sim. O que vamos ver da- qui para frente é uma queda do pa- pel desses artigos intermediários. Essa será uma grande mudança. E, do ponto de vista dos países, haverá um esforço para aumentar sua par- ticipação na cadeia global de valor. Ou seja, as economias tentarão diminuir a presença de bens inter- mediários e apostar em tecnologia e inovação para exportar produtos de maior valor agregado. Haverá um esforço maior em pesquisa e desenvolvimento (P&D), design e marketing, por meio de companhias cada vez maiores na cadeia dos bens de consumo. Revista da ESPM — Um artigo pu- blicado recentemente na revista The Economist aponta por que os países da América Latina não estão inseri- dos nas cadeias globais, enumerando os principais problemas presentes na maioria deles, como a falta de compe- titividade e de inovação das empresas nacionais. Que tipos de políticas go- vernamentais e estratégias empresa- riais deveriam ser implementados na região para reverter esse quadro? Gereffi — O que ocorreu na América Latina, na última década, foi que a região aproveitou o boom de expor- tações de bens primários e o rápido aumento de preço das commodities globais. O efeito colateral é que, na- turalmente, esse fenômeno coloca em segundo plano o investimento em inovação em outros segmentos. Existem duas maneiras de pensar em inovação. Uma é na reconhecida pro- dução de bens acabados. Mas, mesmo que você seja um grande exportador de recursos naturais, é possível ino- Economias emergentes, como oBrasil, se tornarammuitomais concentradas emgrandes grupos, assumindoumpapelmaior naproduçãode bens finais internamente
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