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entrevista | Gary Gereffi Revista da ESPM | setembro/outubrode 2015 124 Se eu fosse o governobrasileiro, não estaria olhando para as dezmaiores companhias doBrasil,mas para as dez empresasmais inovadoras. E tentaria ajudá-las a crescer e, assim, estimular o restoda economia Gereffi — Este é um desafio para a América do Sul, porque, em face de sua posição estratégica, ela pode tanto transitar pelo Pacífico, quanto pelo Atlântico ou pelo Norte. Mas ela vai ter de tomar um caminho. A América do Sul não vai conseguir assumir todas as frentes ao mesmo tempo. E o crescimento virá cada vez mais do fortalecimento entre os vizinhos, aproveitando as potencialidades em infraestrutura, inovação, design e recursos naturais. Unidos, os países podem criar uma grande força com- binada. Isso é importante do ponto de vista institucional, o que nos traz de volta aos acordos de livre-comércio. Quando se tem instituições regionais fortes, é possível fechar negociações conjuntas entre América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia-Pacífi- co, que criam uma camada extra de organização e podemeliminar a buro- cracia e as restrições que existem nas relações bilaterais. Revista da ESPM — A recente visita de Dilma Rousseff ao presidente Barack Obama indica uma reaproximação do Brasil com os Estados Unidos. O senhor acredita que, dessa vez, os dois países podem evoluir para uma relação mais profunda, considerando o fato de que são as duas maiores economias e demo- cracias das Américas? Gereffi — As oportunidades são enor- mes, mas os desafios também. Eu aprecio a visão do presidente Obama. Ele tem as ideias certas, mas está tão amarrado por causa das pessoas que discordam totalmente dessa menta- lidade, que sua margem de manobra fica limitada. Acredito, contudo, que ele irá tão longe quanto consiga dentro desse cenário. O mais provável é que os Estados Unidos foquem primeiro no México, por todas as razões natu- rais, considerando as oportunidades no mercado de trabalho e toda a ques- tão da imigração. No caso brasileiro, a relação entre os dois países deverá melhorar, mas não muito. Não tanto quanto ela poderia ou deveria. Revista da ESPM — Por quê? Gereffi — Talvez isso só aconteça quando tivermos líderes políticos com mais liberdade de ação. O fato é que essas situações sómudamquando sur- gem janelas de oportunidade, conside- rando que as relações geopolíticas es- tão emconstantemovimento. É o caso de Cuba, que contou com uma ação decisiva do papa Francisco, em pes- soa, nas negociações. Muitas vezes, o fator psicológico é mais importante que o econômico. O que falta, talvez, sejam dois grandes projetos ou objeti- vos capazes de agir como uma força de atração entre os países. Ou um terreno comum que ajude a estreitar os laços. O meu palpite, porém, é que o Brasil ainda temmuitas fichas para jogar nas relações com a Europa e a Ásia. Com os Estados Unidos se movendo deva- gar, o Brasil continuará trabalhando com suas outras opções e retomará o contato com os Estados Unidos pelo caminho da política neste primeiro momento. Se eu fosse o Brasil, tenta- ria criar uma relação de equilíbrio de forças entre Estados Unidos, Europa, Ásia e sua posição de liderança dentro da América do Sul, onde ainda hámui- tomercadopara aproveitar. Revista da ESPM — Em sua opinião, onde temos espaço para crescer? Gereffi — O Brasil é, sem dúvida, muito forte na agricultura e tem uma posição ascendente na in- dústria de alimentos. A maioria dos empresários americanos nem sabe que os donos da Burguer King são brasileiros [risos]. O país tem um imenso potencial de gestão e realização de negócios. Outra área é a mineração, onde o Brasil pode disputar com as melhores empresas de classe mundial. O problema é que o país não tem muita visibilidade. Nós aqui, na Universidade de Duke, estamos criando um programa para estudantes brasileiros. Apesar do enorme potencial, o que mais se vê nas universidades americanas são estudantes da China, Índia, Coreia, Turquia, alguns taiwaneses e até gente do Cazaquistão. Mas quase não se veem estudantes brasileiros e até mesmo mexicanos. A diferen- ça é que, nesse caso, os estudantes estão mais concentrados ao sul da fronteira, na Califórnia e no Texas. De qualquer maneira, percebemos uma “fertilização” entre fronteiras muito mais na direção Leste-Oeste do que Norte-Sul.

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