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entrevista | Mark Dutz Revista da ESPM | setembro/outubrode 2015 14 Revista da ESPM — O senhor tem uma longa carreira relacionada ao estudo das economias emergentes. As turbulências da bolsa chinesa vêm preocupando os mercados globais, assim como Brasil e Rússia que, em- bora por motivos diferentes, estão se afundando em um processo recessivo. A exceção, neste momento, são a Índia e novos mercados emergentes da Ásia. Os Brics, como nova locomotiva econômi- ca, põem em risco o crescimento global no cenário atual? Como o senhor vê a interface entre os Brics e os países em desenvolvimento num futuro próximo? Dutz — Existem desafios e oportuni- dades para todos os países. De fato, os Brics são um “acronismo” de países muito distintos entre si, dentro de contextos muito diferentes. Todos os países que se beneficiaram do boom de commodities dos últimos anos estão se adaptando a uma nova fase de maneiras muito particulares. O Brasil, em especial, precisa buscar uma agenda que encontre maneiras adequadas de aumentar sua produti- vidade, garantindo os ganhos sociais obtidos nos últimos anos. O verdadei- ro desafio do Brasil é o de encontrar soluções para criar mais e melhores empregos, de maneira sustentável para a economia do país. Revista da ESPM — Mas a situação domercado chinês preocupa no contexto global? Dutz — É claro que a situação chine- sa gera preocupação, assim como em todas as grandes economias. A diferença é que a China tornou-se um ator internacional gigante, com enorme demanda global por produ- tos e commodities. Por isso, qualquer mudança tem repercussão em todo o mundo. Mas é preciso enxergar o contexto. A China está saindo de um forte ciclo de crescimento por meio do investimento e precisa agora mu- dar esse modelo para o aumento do consumo interno. Isso impõe gran- des desafios para os chineses, como também para todos os demais paí- ses. Há muitos ajustes necessários. É como no caso do Brasil, que precisa se ajustar às questões estruturais que não enfrentou na última década. Revista da ESPM — Há uma década, acreditava-se que a migração da indús- tria para as economias emergentes era um processo inevitável e que os países ricos se concentrariam cada vez mais em serviços e desenvolvimento tecnológico. A retomada da indústria americana e a força industrial da Alemanha mostram que essa não é uma verdade absoluta. O que tende a mudar nas cadeias globais de valor nos próximos anos e qual a situação do Brasil nesse contexto? Dutz — Na última década, as cadeias globais de valor foram muito impul- sionadas por quatro grandes forças que orientaram o cenário econômico mundial: competitividade, abertura, conectividade e capacidades. Na competitividade, os negócios foram ajustados em função das pressões de mercado, com o objetivo de se obterem produtos melhores e cada vez mais baratos. Toda a cadeia de outsourcing e comércio global foi orientada nesse sentido. Na Ale- manha, as empresas abraçaram a competitividade por uma questão de sobrevivência nos mercados em que atuam. No Brasil, isso não aconteceu devido ao ambiente de menor con- corrência. Abertura, a segunda força, consiste na capacidade de países e mercados se abrirem para as ideias globais. Nas regiões mais abertas ao comércio, esse fluxo de ideias e valores foi muito maior. O Brasil, que era um país fechado, fechou-se ainda mais nos últimos anos, infelizmente. Revista da ESPM — Qual o efeito das demais forças globais? Dutz — A terceira é a conectividade. Nos últimos anos houve uma imensa redução de custos em transportes provocados pela revolução logística que sucedeu os enormes avanços na tecnologia da informação. Nesse pon- to, o Brasil não fez os investimentos necessários em sua infraestrutura e tampouco criou os marcos regulató- rios que permitissem uma redução significativa dos custos de internet e conectividade. Por fim, temos a questão-chave das capacidades. O mundo inteiro investiu em educação de qualidade, com objetivo de elevar a competitividade da sua força de traba- lho. Embora o Brasil tenha avançado muito nesse quesito nos últimos dez anos, há ainda um longo caminho a OBrasil precisa buscar uma agenda que encontremaneiras adequadas de aumentar sua produtividade, garantindo os ganhos sociais obtidos nos últimos anos

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