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entrevista | Luiz Augusto de Castro Neves Revista da ESPM | setembro/outubrode 2015 78 Revista da ESPM — De que maneira o senhor enxerga o atual contexto das cadeias globais de valor? Castro Neves — O mundo tem passa- do por muitas transformações, desde o desmoronamento da União Sovié- tica e posterior reunificação da Ale- manha até o processo de globalização que conhecemos hoje. O que houve foi a internacionalização mais sofis- ticada do comércio, com as empresas em busca de mercadorias, máquinas e equipamentos ao redor do mundo. Um exemplo disso é a Embraer, que compra peças de 16 países. Com um projeto na mão, qualquer empresa sai buscando, nos diferentes países, as peças e os componentes de quem produz melhor e mais barato. Outra consequência disso foi na área de ne- gociações comerciais. OGatt [sigla em inglês para Acordo Geral de Tarifas de Comércio] e a OMC [Organização Mundial do Comércio], que eram os antigos órgãos usados para regula- mentar os acordos, a concorrência e as barreiras tarifárias, ficaram supe- rados no novo ambiente de negócios. Revista da ESPM — Qual é o impacto concreto dessa mudança nos foros inter- nacionais? Castro Neves — Hoje, os acordos internacionais trabalham no sentido de permitir que o processo produtivo seja feito com eficiência. São instituí- das normas técnicas para fabricação e uso de produtos e componentes. Isso dificulta o conceito de que um produto como a cerveja seja identi- ficado por sua procedência: Made in China, Alemanha, Estados Unidos etc. E isso provoca impasses em ne- gociações internacionais, como na Rodada Doha. O que prevalece são as cadeias globais de valor. Para o Brasil, o desafio é atuar dentro delas, se- guindo os novos ventos da economia. Mas nós não precisamos começar no topo da tecnologia. Podemos come- çar por itens mais simples. A China entendeu o desafio dessa forma, melhorando a performance pouco a pouco. Na década de 1970, ela entrou nas cadeias globais de valor, no caso de um rádio, por exemplo, fazendo competitivamente primeiro o estojo de couro, depois a tela e, finalmente, aproveitando a mão de obra barata para amontagemcompleta. Revista da ESPM — O senhor foi embaixador na China. Estava claro para eles essa tendência mundial para a globalização, em plena Guerra Fria e no meio da crise mundial do petróleo? Castro Neves — Não. As mudanças decisivas aconteceram no Congresso do Partido Comunista Chinês em 1978, quando o primeiro-ministro Deng Xiaoping inverteu a política de Mao Tse-Tung. A política de Mao era se desenvolver internamente de tal forma que a China produzisse os bens que cobrissem as necessidades do país, tornando-se assim autônoma em relação ao exterior. Para Deng, era necessário, conforme sua própria expressão, “fazer a correta inserção da China nomundo”. Para atingir esse objetivo, ele propôs um socialismo, à maneira chinesa, recorrendo ao mercado. Mesclando modos e normas de capitalismo com dirigismo estatal, predominante no Partido Comunista Chinês. A consequência veio em nú- meros incontestáveis: em 30 anos, os chineses tiveram crescimento assom- broso de 21 vezes, passando a ser a se- gunda potência econômica domundo. Revista da ESPM — Os bens inter- mediários ultrapassaram no início da década mais de 50% de toda a corrente de comércio global, superando os produ- tos acabados. Qual é o impacto disso nas economias nacionais? Castro Neves — Quanto à inserção global, algumas nações ou regiões se integraram com mais facilidade, outras não. Algumas buscaram re- fúgios em políticas mais defensivas e protecionistas, como a Argentina. Com sua indústria obsoleta, tor- nou-se menos competitiva. O que aconteceu? Alguns aproveitaram a oportunidade para melhorar sua competitividade. O desafio é reduzir os custos internos e oferecer nos mercados um produto eficiente e competitivo. O crescimento da China acabou derrubando a tese da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], segundo a qual os produtos industriais dos países desenvolvidos eram vendi- dos com preços superelevados con- OmodelodaChina foi exitoso,mas criou umaprosperidade baseadanamigraçãode massas populacionais para as costas dopaís, comseus grandes centros urbanos

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