RESPM_MAR_ABR 2016

março/abril de 2016| RevistadaESPM 19 shutterstock I ntrigante: de todos os lados por onde se abordem assuntos relevantes do mundo contemporâneo, surgemquestões éticas. Quase todos os grandes temas do mundo atual envolvem questões que remetem à moral das atitudes. Grandes desafios trazem dilemas, grandes dilemas envolvem temas éticos. O tema da sustentabilidade é certamente o maior desafio hoje posto à humanidade, maiormesmo do que a erradicação da pobreza extrema, campo em que se avançou muito desde o século 19. No campo da pobreza, os avanços são impressionantes. A desigualdade na apropriação de riqueza virtual é ele- vada, mas na riqueza social as coisas não se passam tão mal. Ao longo do século 20, a miséria foi praticamente extinta no mundo desenvolvido, diminuiu significati- vamente na maior parte dos países emergentes — na Ásia e na América Latina — e em décadas caminhará para estar limitada a bolsões presentes em algumas regiões do mundo. Na velocidade com que o mundo caminhou nos últimos 200 anos, a pobreza extrema estará virtualmente extinta antes mesmo do fimdeste século. Programas de transferência de renda cuidarão da fração remanescente. O verdadeiro desafio da humanidade está em outro campo: manter o nível de crescimento econômico dos últimos 200 anos, semprejudicar as condições de repro- dução da vida humana no planeta. Quase certamente, as taxas de crescimento declinarão e a razão básica é a de que a natureza, base de toda riqueza e riqueza em si, começou a escassear, relativamente às necessida- des de uma população já enorme e ainda crescente, com elevada capacidade de consumo — e, omais grave, habituada a querer sempre umpouco mais, medindo a qualidade de sua situação pessoal pelo aumento de seu consumo. As oportunidades de grandes empreendimen- tos irão escassear, os custos ambientais se tornarão cada vez mais significativos e a tecnologia vai ter de se esforçar para reduzir esses custos. Essa engrenagem, se bem equacionada, proporcionará um futuro próspero, até porque boa parte da humanidade já não precisa de tanta riqueza a mais, a não ser por razões comparati- vas — para não se sentir diminuída perante os outros. Estemilênio que se abre poderia vir a ser maravilhoso, pela previsão de Jacques Le Goff, o medievalista fran- cês que passou a vida estudando o milênio anterior. O “desafio da sustentabilidade” alcança todos os países, e quanto mais rico for um país, quanto maior for a sua pegada ecológica, maior será o desafio para reduzir o seu nível de “insustentabilidade” em longo prazo. E não se pode admitir que países commaior pegada ecológica mantenham o privilégio de ser os primeiros a chegar. Eles também serão chamados a pagar por esse custo adicional. Lugares privilegiados não serão admitidos como definitivos. Uma economia sustentável é a que tem processos compatíveis com o longo prazo, na escala de décadas, senão de séculos. Aeconomia não deverá seguir vivendo de depauperar sua base natural. As “cicatrizes” das atividades econômicas passadas e atuais terão de ser tratadas; a agricultura precisará manter — e até apri- morar — a fertilidade do solo. Será necessário investir para preservar a hidrologia, pois a água sendo recurso essencial, quando escasseia, só em prazos demasiado longos em relação à necessidade volta a ser abundante. Uma economia sustentável precisará contar com cidades onde seus habitantes se desloquem com flui- dez e tenham acesso aos serviços sociais que atendam a suas necessidades, além de oferecer empregos ade- quados para a virtual totalidade da população. Nesse novo cenário, aqueles que tenham fracassado nos pro- cessos produtivos normais serãominimamente ampa- rados pelos mecanismos de transferência de renda do Estado. A humanidade construiu ummundo fabuloso, atingiu todo o planeta, está inteiramente interligada, movimentando uma massa gigantesca de recursos para alimentar, vestir, transportar e divertir a popu- lação do planeta. O desafio deste século vai ser produ- zir e consumir um fluxo de riquezas que seja compa- tível com a base de recursos à disposição. Essa base está escasseando ante as necessidades, está ficando pequena relativamente à população. A sustentabili- dade é alcançada ao adequar os recursos existentes às necessidades e demandas. Enquanto os abastados continuarem aumentando sua “pegada ecológica”, os estratos sociaismais baixos pressionarão para ter acesso a esse estilode vida

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