RESPM_MAR_ABR 2016
entrevista | José Goldemberg Revista da ESPM |março/abril de 2016 88 Revista da ESPM — O Acordo do Clima (COP-21) de Paris, firmado no final do ano passado, foi avaliado como um marco na reação dos países mais desenvolvidos para limitar, a todo custo, o aquecimento global a níveis inferiores a 2ºC. Como isso será feito, no entanto, ainda é algo vago. Como o senhor avalia esse acordo? Que implicações reais nós podemos esperar, sobretudo no campo energéti- co, derivadas dessa iniciativa? José Goldemberg — O aquecimento da Terra, devido à adição de deter- minados gases na atmosfera, já era conhecido em 1980. Antes disso, os cientistas haviam alertado os governos sobre os danos do efeito estufa, mas não tinham provas de- terminantes, condições mais claras de demonstrar a sua existência. Mas de 1980 em diante as evidências se tornarammais fortes. Hoje basta ob- servar o que se passa em Holambra (SP), por exemplo, para perceber o efeito estufa. Com a ação de estufas, a cidade produz rosas no inverno. Não é diferente o que ocorre na atmosfera. O dióxido de carbono (CO 2 ) vai, de forma transparente, formando um cobertor que engrossa em decorrência dos mesmos gases emitidos pelos combustíveis fósseis e aquece a atmosfera. Na ECO-92, realizada aqui no Brasil, os governos reconheceram claramente o pro- blema. Os acordos foram decididos de cima para baixo: os países ricos tinham de combater, eliminar os combustíveis fósseis, e os menos desenvolvidos tinham liberdade para poluir. Assim, os acordos não funcionavam. Os ricos continuaram a poluir, não reconhecendo o trata- do de Kyoto (1997), por exemplo. O efeito estufa continuou a sua ação na atmosfera e no planeta. A China ain- da tinha emissões mais modestas. Mas, com o seu desenvolvimento, o país se tornou um grande poluidor, ao lado dos Estados Unidos e de ou- tras economias industrializadas. Revista da ESPM — Agora, o que mudou em relação a 1992? Goldemberg — Os governos percebe- ram os efeitos cada vez mais perver- sos do efeito estufa e partiram para convergências, mas não no modelo de cima para baixo. Cada país tinha a liberdade de traçar a sua meta na- cional de diminuição de emissão de poluentes. Os movimentos ambien- talistas e a imprensa fizerampressão. O presidente Barack Obama [EUA] tomoumedidas importantes. AChina também tomou iniciativasmais efica- zes. O Brasil apresentou a sua meta, prometendo diminuir, por sua vez, o desflorestamento da Amazônia. A meta de cada país passou a ser obri- gatória. Isso é um avanço, mas não há nenhuma garantia de que todos cumprirão seus compromissos. Revista da ESPM — Há oito anos, antes da crise global, o barril do pe- tróleo atingiu picos de US$ 140. Na ocasião, o senhor declarou que o preço cairia, mas que não ficaria abaixo de US$ 100. Hoje, o preço despencou para menos de US$ 40. Esta é uma questão conjuntural ou já podemos afirmar que o declínio da era do petró- leo é um fato concreto? Goldemberg — Houve mudanças estruturais nos últimos 20 anos na maneira de usar os combustí- veis fósseis. A China, que ainda é altamente dependente do carvão, resolveu certos problemas que já não exigem mais tanto combustível fóssil. O mais importante foi o fim do programa habitacional chinês. Com isso reduziu-se o consumo de ferro e cimento, que demandam petróleo e carvão. Também houve mudanças estruturais diante do fato de que Estados Unidos, Japão e Europa estagnaram economica- mente. A China e a Índia sentiram o impacto dessa queda, diminuindo a demanda de combustíveis. Menos ferro, menos combustível. O preço do petróleo caiu, estabilizando em torno de US$ 30 a US$ 40, muito menos do que os US$ 100 que eu mesmo projetei em 2008. Resolven- do o problema habitacional no Bra- sil, também diminuirá o preço do ferro, do cimento, como aconteceu na China. Em resumo, junto com seu programa habitacional, a China resolveu vários problemas. Revista da ESPM — Até que ponto essa queda no preço do petróleo pode estimular o desenvolvimento de novas fontes de energia? A China, que ainda é altamente dependente do carvão, resolveu certos problemas que já não exigemmais tanto combustível fóssil, como o fim do programa habitacional chinês
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