RESPM SET-OUT 2016

entrevista | Samuel de Abreu Pessôa Revista da ESPM | setembro/outubrode 2016 12 Revista da ESPM — O Brasil deve fechar 2016 com o terceiro ano seguido de queda da produtividade. Qual é a principal razão para isso? Samuel Pessôa — No Instituto Brasi- leiro de Economia, nossa previsão é de que o PIB cresça em torno de 0,5% no ano que vem. Como a população cresce 1%, a produtividade vai cair no- vamente em 2017. Serão quatro anos de queda da produtividade. O motivo que me parece ser mais importante é que a formulação da política econômi- ca teve uma inflexão em 2009, após a crise [financeira global, de 2008]. Foi o fim de um longo ciclo de liberaliza- ção dosmercados. Revista da ESPM — O que você cha- ma de liberalização dos mercados? Pessôa — É a ideia de que o papel do setor público seja o de organizar as regras de funcionamento domercado. De que não é papel dele interferir di- retamente no funcionamento do mer- cado. Osetor público temde construir um marco institucional, regras cla- ras, simples e transparentes. Se você regula melhor, a eficiência no funcio- namento dosmercados aumenta. Revista da ESPM — Pode dar um exemplo? Pessôa — Você simplifica a legislação tributária, que passa a ter menos exce- ções. Logo, as empresas, para ganhar dinheiro, terão de fazer bem o que fa- zem. Se você começa a ter muita inter- venção, discricionariedade na formu- lação da política econômica, exceções, começa a ter um jeito melhor para as empresas ganharem dinheiro: abrin- do escritórios de lobby emBrasília. Revista da ESPM — Para a economia nacional ser competitiva, essa legislação deveria... Pessôa — Tratar os iguais de forma homogênea. Aos trancos e barrancos, a gente estava nessa agenda até 2008. Na verdade, até 2006. Evidentemente, a crise econômica foi uma oportu- nidade para que o então ministro Guido Mantega alterasse a agenda de formulação da política econômica. Ela passou a girar em torno de uma agenda que ele considera correta, e eu considero um equívoco gigante. A agenda do intervencionismo estatal. Revista da ESPM — O que aconteceu do governo Lula para o governo Dilma? Pessôa — No momento da mudança dos governos, a taxa de crescimento saiu de 3,5% ao ano para zero no últi- mo ano da gestão Dilma 1. Ao longo desses quatro anos, a desaceleração ocorreu conjuntamente com seis fatores: juros reais elevados; inflação muito alta; deficit externo crescente; deficit público crescente; taxa de desemprego atingindo os máximos históricos; e salários crescendo o tempo todo, acima da produtividade. A velocidade com que a produção cresceu ficou cada vez menor. Então, na minha interpretação, a aceleração do crescimento, que foi um fenômeno de produtividade no governo Lula em relação ao período FHC, deve-se à maturação das reformas institucio- nais que vínhamos fazendo desde o período Collor. O FHC não conseguiu colher muita coisa porque houve mui- to choque externo. Revista da ESPM — Por que você cos- tuma dizer que a transição FHC-Lula ajudou a economia? Pessôa — Porque ela melhorou muito as expectativas. O primeiro gover- no Lula foi muito bom. As pessoas olhavam para um país como o Brasil, grande, com uma população jovem, dinâmico, com uma democracia in- teressante, que havia passado por uma transição política de alto nível entre grupos que se antagonizavam e tinha na Presidência da República um partido de esquerda fiscalmente responsável. Isso mudou a percepção do resto do mundo, e de nós mesmos, a respeito do desenvolvimento insti- tucional que tínhamos atingido. Revista da ESPM — Posso entender que tudo isso havia feito do Brasil um país competitivo? Pessôa — Podemos atribuir a acelera- ção da taxa de crescimento da produ- tividade no governo Lula à colheita dos frutos das reformas institucio- nais, à melhora da percepção do país, fruto dessa transição política de alto nível entre grupos que se antagoniza- vam, e principalmente à percepção de que nós tínhamos um governo de es- O setor público temde construir um marco institucional, regras claras, simples e transparentes. Se você regulamelhor, a eficiência no funcionamento dosmercados aumenta

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