RESPM SET-OUT 2016
ponto de vista Revista da ESPM | setembro/outubrode 2016 130 Luiz Felipe Pondé Os filhosmimadosdocapitalismo P or que a palavra competitividade se tornou um palavrão? Por uma razão simples: a sociedade demercado, aoproduzir riqueza, produziuumageração inteirademimados e bonitinhos que se sentemmagoados quando alguém lembra que a vida é semgarantias e que a riqueza do mundo foi produzida a partir de um impasse moral que assustava o próprio “idealizador” do capitalismo, AdamSmith (século XVIII): afetosmorais nãomuito simpáticos como ganância, competitividade, inte- resse, é que produzem a riqueza de que todos gos- tam, inclusive os bonitinhos que gostam de dizer que o capitalismo consciente deve trazer em todos os elos da cadeia produtiva “valores” que transcen- dam a competitividade e o lucro. O sociólogo americano Daniel Bell, em1958 (com uma nova edição revista por ele mesmo em 1978), publicou seu The cultural contradictions of capitalism (sem tradução no Brasil, infelizmente), obra capital, entre outras, para entender a razão de o capitalismo ter dado luz a gerações e gerações infantilizadas que queremque omundo gere a riqueza que eles desejam brincando de “banco imobiliário solidário”. SegundoBell, os valores que geraramo capitalismo são por demais “pesados” para crianças criadas na fartura. Acordar cedo, poupar, abrir mão da satisfa- ção imediata dos desejos, adiar a vida emnome de um projeto que o transcenda como indivíduo, enfim, o próprio calvinismo e suamoral excessivamente dura e austera causariampesadelos emgente que crê (sin- ceramente?) ser possível alimentar a humanidade de sete bilhões de pessoas comalimentos orgânicos, sal- var omeio ambiente andando de bike ou criar filhos que nunca sentiriam ciúmes. Já na arte “moderna” em sua proposta de ruptura com a ideia de “forma”, surgia a preguiça típica de gerações pautadas por uma cognição escrava da autossatisfação. Susten- tar a “forma” pressupõe a adesão a um conjunto de valores que nos antecedem. Amarca profunda dessa geraçãode “modernos” seria a preguiça comqualquer forma de forma. Da segunda metade do século 20 para cá, a coisa avançoumuito e, temo, atingiu o coração da publici- dade. Sempre entendi que a publicidade, como pes- quisa de comportamento e pensamento estratégico, era uma reserva de “decência” e objetividade em ter- mos de análise de comportamento contemporâneo. Umpublicitário competente e decente seria alguém que hoje estaria identificando o que você desejará daqui a dois anos, mas ainda não sabe. Não, a coisamudoumuitonos últimos anos. Agora, até os publicitários querem “um mundo melhor”, e não apenas um mundo que possamos entender como funciona e, por isso mesmo, possamos fazer o dinheiro girar nele e criar riqueza — o que é da sua própria natureza. Os publicitáriosmais jovens cada vezmais chegam aomercadocontaminadoscomodiscursodeseuspro- fessores de humanas —notadamente, na suamaioria, sem nenhuma responsabilidade no que tange à rela- çãoentre seuconteúdode aula e a realidadedo ladode fora (sobre os “delírios das humanas”, basta ler o pri- moroso Intelectuais e sociedade , doensaísta americano ThomasSowell, traduzidonoBrasil pelaeditoraÉRea- lizações). As “aulas de humanas” ensinam, a cada dia e a cada nova moda, como “ummundo melhor” deve ser construído nos bares e nas salas de aula — além, é claro, do Facebook. Oresultadoéqueapublicidadecomeça, tambémela, aodiar acompetitividade. Logoelase tornará também, assim como a maioria dos professores de humanas, irrelevante para a ordem real domundo. Luiz Felipe Pondé Filósofo, escritor e ensaísta brasileiro, doutor em filosofia pela Universidade de Paris e pela FFLCH-USP, pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv flavia watanabe
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