RESPM SET-OUT 2016

entrevista | Samuel de Abreu Pessôa Revista da ESPM | setembro/outubrode 2016 14 não deveria haver “externalidades” [ganhos não captados pelos preços]. O ganho da educação já estaria expresso no salário da pessoa. Mas com educa- ção tal hipótese faz sentido, porque existem “externalidades”. Uma pessoa bem educada vai ser um cidadão me- lhor. Mais paciente, mais tolerante, mais observador. Na média. É um pai melhor, que vai educarmelhor ofilho e o filhomelhor educado vai dar retorno para a sociedade. Na educação, isso é óbvio, mas não consigo compor argu- mentos convincentes para a indústria. Revista da ESPM — Quando discuti- mos como retomar a competitividade do país, indústria é um tema que sempre vem à baila e há uma divisão de opiniões sobre a necessidade de estímulo à indús- tria, que é uma política que se via muito no governo Dilma... Pessôa — Parece que não deu certo [risos]. Revista da ESPM — Se estamos bus- cando saídas para retomar a competiti- vidade, a indústria não merece estímulo especial, diferente dos outros. Pessôa — Rigorosamente, não. É pre- ciso entender a baixa produtividade. A tendência das pessoas é achar que é tudo setorial: “A indústria é mais po- bre num país pobre porque faz coisas pouco sofisticadas”. Em geral, as pes- soas acreditam que o que você produz determina a produtividade. Isso não é verdade. Tanto país pobre quanto país rico têm empresas muito produtivas. A diferença é que, em país rico, não há empresas pouco produtivas. Só empresas muito produtivas. Isso que fiz agora é uma fotografia, mas posso fazer um filme. As empresas nascem, vivem, algumas morrem e outras vão continuando. Pegue um mesmo setor num país pobre e num país rico. No rico, naquele setor, as empresas nas- cemmenores e vão crescendo durante a vida. No pobre, a empresa vai enve- lhecendo enão crescenemdiminui. Revista da ESPM — E o que explicam essas diferenças? Pessôa — Os países pobres têm algum mecanismo institucional que difi- culta, ou impede, a transferência de capital e trabalhodas empresasmenos produtivasparaasmaisprodutivas. De alguma forma, você está protegendo demais os menos produtivos e dificul- tando esse processo de alocação. Isso tema ver cominstituições. Revista da ESPM — O Brasil bateu no fundo do poço no primeiro semes- tre. Agora, a confiança dos agentes econômicos parece estar voltando. Você concorda com este diagnóstico? Pessôa — O enunciado está errado. O Brasil baterá no fundo do poço no quarto trimestre deste ano. No tercei- ro trimestre, o crescimento do PIB vai ser negativo em 0,4%, ante o segundo trimestre, com ajuste sazonal. E tal- vez o quarto trimestre também seja negativo. Mas, tudo bem, vamos ter um fundo do poço. Você tem razão em argumentar que a expectativa mudou. A confiança mudou, mas de uma forma diferente em relação à maneira como mudou em outras recuperações cíclicas recentes. Esta é uma recuperação mais frágil, mais singela, menos brilhante. Essa falta de brilho da recuperação aparece nos indicadores de confiança. O que está melhorando é a expectativa futura e não a percepção da realidade atual. Revista da ESPM — Então, ou a reali- dade atinge a expectativa, ou a expecta- tiva vai cair. Pessôa — Exatamente. Os dados que temos sugerem que a expectativa vai cair umpouco. Revista da ESPM — A votação da PEC do teto dos gastos públicos é parte dessa equação, certo? Pessôa — Com certeza. É superim- portante. Ela está associada ao agra- vamento da crise, que tem um com- ponente grande de expectativas. A dívida pública cresce em bola de neve. Isso sinaliza que em algum momento a inflação vai aumentar, ou o governo vai dar um calote, o que hoje não é mais juridicamente aceitável, porque o sistema judicial não deixaria. Ou vão ter de dar um “tarifaço”, aumentar muito imposto. É impossível investir numa socie- dade assim. É difícil calcular o valor presente do seu fluxo de caixa para Arrumar a casa agora vai doermuito. Cortes terãode ser feitos e istonão é uma coisa simples. Vaimachucar. Eeu tenhodúvidas sobre se anossapolítica vai conseguir digerir todas as transformações

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