RESPM SET-OUT 2016
Filosofia Revista da ESPM | setembro/outubrode 2016 98 que dois irmãos, Philippe e Gautier d’Alnay, foram deti- dos, torturados e enforcados por ordem do mesmo rei, inculpados que foram pelo mesmo crime da carne, per- petrado com as mesmas damas, na mesma torre. Torre esta que, não tivesse sido demolida em 1665, descansa- riahoje vizinhado Institut , namargemesquerdadoSena, em frente ao Louvre. O syllogismus cornatus deriva da última das três leis da lógica formal. As outras são: a da identidade (todo objeto é idêntico a si mesmo) e a da não contradição (duas afir- mações contrárias nãopodemser verdadeiras aomesmo tempo). A terceira lei, a do cornatus , afirma que, para qualquer proposição, ou esta proposição é verdadeira, ou sua negação é verdadeira. Cercado, Jean Buridan não tinha uma terceira via de escape, como não há animais de três chifres, salvo exageros míticos. Na vida corrente nos vemos forçados a resolver dile- mas. Às vezes os dilemas são hipotéticos. A fraqueza da psique ou o interesse alheio nos impinge falsos dilemas: votar nesteounaquele candidato (ouanular ovoto), casar ou não casar (ou simplesmente ficar). Outras vezes os dilemas são categóricos: ir ou ficar, obedecer ou não, e assim por diante. Este, o caso do momento de investir: ou bemdelibero investir ou bemdecido não investir. Ou enfrento o Sena ou as forças do rei. Moçoà época, Jeanatuava jáprofessor de lógicanaSor- bonne. O que não o ajudava emnada. Pois não há lógica que dissolva uma identidade de resultados. Alémdisso, nomundo da vida, toda decisão é sempre transracional, uma vez que não se pode dispor de conhecimento abso- luto que informe a escolha. A solução de dilemas vitais é arbitrária. A sua qualidade é função da sensibilidade, e não do juízo de valor que fundamenta o critério do caso. Fundamentação esta que, de resto, seria parca e dúbia, já que nosso herói, natural de Pas de Calais, era bomnadador e os agentes da ordem, como sói acontecer, não deviam ser muito honestos ou expertos. Um dilema e tanto para o jovem Buridan, que se tor- nou mais conhecido pela anedota que alia o seu nome a umasnodo que pelamovimentada vida que teve quando jovem. A historieta do asno de Buridan, reproduzida à exaustão, reza que o filósofo, em uma disputatio sobre o livre-arbítrio, teriadadoo exemplodeumasno comfome e sede que, postado a igual distância de umpote de água e de ummonte de feno, não logra decidir-se e perece viti- mado de dúvida incondicional. Esta anedota é, aliás, espúria e apócrifa. Espúria, por- que osmuares emgeral e os asnos emparticular não são mais estúpidos dos que a média de outros mamíferos, incluindo primatas. Desde a Antiguidade se sabe disso. Oasno grego que ouve a lira ( onox lyrax ) é uma vítima do disparatedos quepedemo impossível aos animais, enão umincompetenteobstinado. Omesmovaleparao “ asinus in cathedra ” dos romanos. Aorelha de burro do reiMidas ( Auriculas asini rexMidas habet... ) refere não à estupidez, mas à esperteza desse rei mitológico, que tinha espiões por toda a parte para escutar o que se dizia no seu reino. Nãoécrível queBuridanhaja forjadoou tenha recorrido ao exemplo do asno. Seu partido na querela das bestas era outro.EnquantoSãoTomásdeAquinoforadeparecerdeque osburroseramdesprovidosdealmaeque, portanto, pode- riam trabalhar aos domingos, AlbertoMagno, comquem Buridanconcordava,manteveojuízodequeascavalgaduras emgeralteriam,alémdaalmanutritiva,umaalmasensitiva eumaalma razoável, fazendo jus, portanto, ao ingressono Paraíso, aindaqueemumParaísoprivativodasalimárias. Excluindooexagerodo locusparadisíaco ,JeandeBuridan, doutoreclesiástico,concordavasobreaquestãoasininanão sócomAlbertoMagno,mastambémcomAristóteles,Buda, IslãeocardealargentinoJorgeBergoglio,opapaFrancisco,
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