RESPM SET-OUT 2016

setembro/outubrode 2016| RevistadaESPM 99 queodeclarouexpressamenteaindaem12dedezembrode 2014. Prova circunstancial desta prerrogativa é a presença asnáticanaNatividade,notransportedeCristo,notrânsito doProfeta(queestejaempaz)easuafrequêncianoimaginá- rionacional,comodátestemunhooapropriadamentenomi- nadoConselheiro, doSítiodoPica-pauAmarelo. Emsegundo emais importante lugar, a anedota é apó- crifa porque não foi inventada por JeanBuridan, sendo o autor Aristóteles, segundo constano livro Do céu (Aristó- teles — tradução, textos adicionais e notas de EdsonBini, Editora Edipro, 2014), com a diferença de que o burro na versão original é um cão. Também não é provável que a tenha repetido, umavezque, nominalistadeestritaobser- vância,discípulodeGuilhermedeOckan,eleitoduasvezes reitor daUniversidade de Paris (em1328 e 1342), Buridan era adepto da posição da razoabilidade. Se é verdade que quando jovem fora afeito às esbór- nias principescas, não émenos verdade que como lógico foi prudencialista. Intelectual severo, Buridan é autor da Teoria do Ímpeto, uma tese que trata do arremesso de projéteis ao léu, que iria influenciar Galileu e Newton. No terreno da ética, Buridan sempre defendeu que toda escolha deve ser postergada até que se tenhamais infor- mação sobre o resultado de cada ação possível. Foi, por- tanto, patrono da razoabilidade nas decisões, tanto as humanas quanto as animais. Não pensava e não propôs que pessoas ou asnos devessem ou, mesmo, tivessem a capacidade de não escolher. Daí que, por convicção, sabença, realismo e coerên- cia, Buridan não iria largar-se sem mais ao destino, à natureza, à discrição dos deuses, que, loucos, costumam aniquilar com o que recusa a reflexão e a decisão. Não se dispôs nem à indecisão, nem à observância da fonte aristotélica, mesmo porque não tinha tempo, que as for- ças da lei já lá vinhame as princesas já lá iam, escafedi- das e previamente inocentadas, sendo este o suposto e o privilégio da nobreza. Cercado na Torre, Buridan sabia que a solução dos dilemas categóricos, como o dele e como o domomento de investir, é discricionária, dá-se a sentimento. Sabia também que é melhor uma decisão errada do que nenhuma. Por isso, semoutro cálculo que não o da intui- ção, o jovem, professor, eclesiástico, lógico e devasso se fez enrolar em um saco bem forte e se lançou ao Sena. Como documentado no 14º verso da Ballade des dames du temps jadis (François Villon, 1993): “ ... où est la reine / Qui ordonna que Buridan / Fût enfermé dans un sac et jeté à la Seine? , Buridan conseguiu nadar até amargemdireita do Sena, emergindo enregelado e emporcalhado onde hoje assentamos pilares da Pont des Arts . Salvooherói, ficouoexemplodoriscodedeixar-se levar pelastentações,principescasounão.Ficouprincipalmente registrada a singularidade dos dilemas categóricos, cuja solução não admite regras ou fórmulas nemoutro apoio que o da sensibilidade. É triste sina que, ainda há pouco, le Pont tenha sido objeto de deliberação dos governantes de Paris, que, sob o falso argumento de que viria a pique por abuso de cadeados românticos, decidiramsuprimir o lirismo em favor da segurança. Um caso clássico de falso dilema, uma asneira perpetrada por ditas autoridades a quem faltaram luzes e sensibilidade para o marketing. Hermano Roberto Thiry Cherques Pesquisador e conferencista nos campos da Filosofia e da Produtividade do Trabalho shutterstock A famosa Pont desArts foi objeto de deliberação dos governantes deParis, que, sob o falso argumento de que viria a pique por abuso de cadeados românticos, decidiram suprimir o lirismo emfavor da segurança

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx