RESPM ABR_MAI_JUN 2017

abril/maio/junhode 2017| RevistadaESPM 21 Etnografianãoéummétodo,muitomenosuma técnica ou uma ferramenta de pesquisa. No livro Trecos, troços e coisas. Estudos antropológicos sobre a cultura material (Editora Zahar, 2010), o antropólogo inglês Daniel Mil- ler, especializado em estudos sobre consumo, destaca que a etnografia é sobretudo a filosofia que orienta o nosso olhar, as reflexões e os debates sobre tudo o que é humano, não somente o ser humano emsi, mas todas as suas extensões, como a tecnologia, os bensmateriais, a propaganda, asustentabilidadeemilharesdeoutros itens que só existemno mundo por causa de nós, humanos. Na aplicação de pesquisa, umestudo etnográfico sig- nifica a convivência por um longo prazo, sistemática, periódica e contínua com os entrevistados. Bem dife- rente de uma imersão de três, quatro ou seis horas, for- mato que, em geral, tem sido apresentado e vendido no mercado como pesquisa etnográfica. Mas não basta conviver e observar. O olhar etnográ- fico busca os significados que os entrevistados dão aos fatos e às relações, alémdas estratégias de sobrevivência que as pessoas continuamente inventam, reinventame ressignificamnummundo de intensas transformações. Neste aspecto, o poder da abordagemetnográfica é gerar empatia e compreensão a respeito da lógica do outro, que muitas vezes parece estranho e sem sentido para nós, especialmente aqueles que acreditam que a vida de consumo é guiada pela razão econômica. No estudo que realizamos, 50 famílias da classe C foramselecionadas e estão sendo acompanhadas desde julho de 2015, período em que a crise econômica mos- trou as suas garras selvagens. A amostra é composta por 20 famílias na cidade de São Paulo, 20 no Rio de Janeiro e 10 na cidade alagoana deMaceió. Todas essas famílias têmum rendimentomensal entre R$ 3.000,00 e R$ 6.585,00, limite considerado oficialmente classe média pelo IBGE. Na pesquisa, acompanhamos o dia a dia dessas famílias da nova classe média e o jogo de cintura que estão fazendo para se manter na classe C. Afinal, quem é essa tal de classe média? A briga é grande para responder a esta pergunta e mui- tos são os times que disputampela vitória. O time capi- taneado pelo pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera como critério somente a renda mensal e parte de um princípio estatístico que diz que classe média é a faixa mediana dos brasileiros ( ver entrevista na página 52 ). OargumentodeNeri ébastante lógico,mas combatido por outro time, liderado por Márcio Pochmann, da Uni- camp, que alerta sobre a importância de considerar no critério a ocupação. O sociólogo Jessé de Souza vai além e defende que não é possível entendermos a transforma- çãoda classemédia semlevarmos emconta as condições sociaisouculturais, ouseja, oestilodevidadessepúblico. Mas esse é um debate que merece um outro artigo exclusivo. Por ora, basta sabermos que os brasileiros não se identificamnemcomo ricos, nemcomo pobres, con- forme demonstra o pesquisador André Ricardo Salata, em Quem é classe média no Brasil? Um estudo sobre iden- tidade de classe , publicado na Revista de Ciências Sociais , em2015. De acordo como estudo, 33% dos brasileiros se autoidentificamcomoclassebaixa,25%comoclassemédia e 17% como classemédia baixa; umaminoria abaixo de 4% se identifica como classe média alta ou classe alta; e umpouco menos de 20% se classificam como pobres. Todosconcordamqueaatual criseeconômica temumlado positivo: osconsumidoresestãomaisatentosàscontas, maiscautelososeprudentesquantoacontrair novasdívidas

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