RESPM ABR_MAI_JUN 2017

Sociedade Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 24 As mulheres são mestras em fazer aparecer dinheiro dentro de casa. No passado, elas completavam a renda com este tipo de empreendedorismo. Hoje, essa inicia- tiva feminina compõe, muitas vezes, a renda principal. 4. Longe da política e mais perto do chefe “ Política é coisa de bandido, só tem gente suja lá .” Nos 50 domicílios estudados, o Brasil não está dividido entre direita contra esquerda. Não discutem sobre política. Política é um assunto frequente por ser pauta quente nos noticiários, mas não há um debate reflexivo. Falam sobre política apenas paramaldizer e criticar os políticos. Uma dica que aparece entre as famílias para sobrevi- ver à crise é se distanciar da política. “ Cada um tem de lutar por si mesmo, não dá para esperar nada do governo .” Essa atitude confirma a decepção e descrença com as instituições públicas e o avanço do individualismo sob o formato da resiliência. Ganham valor a meritocracia e a busca pelos objetivos individuais. Também não se observa um pensamento contra os empreendedores ou os patrões. A percepção reinante é a de que estão todos nomesmo barco, sendo enganados e traídos pelo governo, de igual modo. Osmais jovens explicamque a fórmula paramanter o emprego e ter possibilidade de algum bônus salarial ou promoção é aproximar-se cada vez mais do chefe, mos- trar afinidade aos interesses, valores e crenças do patrão e se distanciar dos demais. É ummomento singular, no qual as gerações Y (nasci- dos entre 1977 e 1997) e Z (nascidos entre 1998 e 2010) da classemédia rompem, aindaque silenciosamente, comos grupos nos quais estão inseridos e tentamse associar ao segmento a que aspirampertencer e que prometemelho- res rendimentos e carreira profissional. Na prática, esse desejo de gerar afinidade com a che- fia provoca uma reconfiguração nos produtos consumi- dos. Em época de crise, é difícil manter o padrão, mas o segredo é diminuir a quantidade dos itens comprados e preferir os que sejamdo gosto dos chefes. 5. Manter as conquistas A farra do consumo trouxe acesso a bens que não eram cotidianos na casa. Algumas dessas conquistas preci- sam ser mantidas porque elas são simbólicas da linha que separa a pobreza do que seja classe média. Ao res- ponder à pergunta “o quemelhorou na sua vida”, as famí- lias apontamacesso a bens, especialmente os alimentí- cios. Não houve menções às esferas da educação, saúde ou infraestrutura. O esforço é grande para não abrir mão dos itens simbólicos de melhora de vida. Em geral, são os iogur- tes, guloseimas, biscoitos recheados, sobremesas e refrigerantes. Paramanter essas conquistas, a estratégia é amesma: reduzir a frequência ou a quantidade de compra. A redu- ção da quantidade é marcante. Também é significativa a substituição dasmarcas premiumde vários itens demar- cas similares, mas não há traumas: “ a gente está apren- dendo que não precisa ter tudo o que gostaria o tempo todo ”. Há um alerta importante para as marcas premium : as substituições estão ocorrendo sem traumas. Os consu- midores estão descobrindomarcas similares que conse- guem agradar no sabor ou outros itens, tanto quanto as marcas preferenciais. Para os itens que são considerados como conquistas mais significativas, a marca premium é mantida, como se fosse uma autopremiação, embora a quantidade e a frequência de compra sempre sejam reduzidas. Há um outro corte significativo: a escola particular dos filhos. Ficou impraticável manter o ensino privado, consideradomuitomelhor emais forte do que o público. A dificuldade é porque emgeral essas famílias têmmais de um filho, encarecendo os custos com educação. As famílias que têm somente um filho estão conseguindo manter a escola particular. Quando é preciso escolher qual dos filhos continuará no ensino privado, a prefe- rência é sempre para o menor e, então, os mais velhos são transferidos para a escola pública, “ porque já sabem se virar muito melhor ”. Nota-se que não há de fato ainda uma valorização da educação, do ensino oumesmo do aprendizado. Existe a consciência da importância de umdiploma para garantir umamelhor empregabilidade, e somente isto. Nenhuma das famílias que transferiu os filhos mais velhos para a escola pública cogitou o impacto que isso pode ter nos testes vestibulares ou na vida universitária. Também 60%dos 57milhões de inadimplentes doBrasil sãoda classeCe estãonessa situaçãopor contadodesemprego (35%) e dodescontrole financeiro (29%)

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