RESPM ABR_MAI_JUN 2017

Finanças Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 34 É terra batida, clichê velho de guerra, que os maiores prejudicados pela inflação são os setores demenor renda. Não por outra razão, no inverso, foram esses os princi- pais beneficiados pela estabilização damoeda. Desone- rada do “imposto inflacionário”, a populaçãomais pobre pôde começar a tatear um futuro melhor. As vendas no comércio explodiramno Natal de 1994. Como natural, a estabilização da moeda também per- mitiuque as empresas começassema se planejar demodo maisordenado.E,apesardossolavancosdascrisescambiais doMéxico (1995), SudesteAsiático (1997) eRússia (1998) — bemcomodo rearranjono sensível sistema bancário—, de modo geral o cenário econômico encontrava conforto na previsibilidade que a ausência de inflaçãoproporcionava. O país zarpou para os anos 2000 sentindo em suas velas ventosmais suaves, coma economia entrando nos eixos e o poder de compra da população de baixa renda em expansão. De repente, aos poucos, começou a circular aqui e ali certa lenda de que a população de baixa renda era exce- lentepagadorade crédito. Comdiferentes graus de sofisti- cação, variações emtorno da ideia de que “pobres gostam de pagar em dia” despontavam em artigos, entrevistas na imprensa, relatórios de agências de publicidade e nos planos e metas dos bancos. Seessaideiafossepostasobumalupa,seriapossívelcom- preender o equívoco que estava sendo gestado: até aquele momento, as pessoas dos setores demenor renda tinham, de fato, a preocupação de liquidar os créditos emdia. Mas não faziamissoemfunçãode alguma espéciededeforma- çãosocial, exacerbaçãodecaráterouatode irrefreável boa- fé. Pagavam em dia porque as fontes de acesso ao crédito para consumo eramtão raras —aCasasBahia era uma das poucas possibilidades — que não podiam correr o risco de rompercomela. Emresumo, pagaremdiaeracondição sine qua non para continuaremtendo acesso ao crédito. De toda forma, a experiência de Muhammad Yunus comoGrameenBank, descrita no best-seller Obanqueiro dos pobres (Editora Ática, 1999), serviu para engordar de vez a lenda. Dando argumento aos predispostos a serem convencidos, o Grameen Bank era citado como prova de que o riscona concessãode créditopara as camadasmais pobres da população seria nulo. Dessa maneira, indiferentes às distâncias entre as culturas do Brasil e de Bangladesh, ao fato de que era a estratégia de grupos solidários que explicava o sucesso do negócio de Yunus, ou apagando a informação de que os empréstimos naquele canto da Ásia raras vezes ultra- passavamos centavos de dólar, foi crescendo o devaneio de que era possível lucrar (muito) emprestando dinheiro aos pobres, a risco perto de zero. AdecisãodogovernoLula,aindaemseuprimeiromandato, de instituirocréditoconsignado—assegurandoaosbancos garantiasmaisquefavoráveis—foiomelhorpresentequeos banqueirosemseusmelhoressonhospoderiamambicionar. Comas bolsas de valores aquecidas em todo o globo, enriquecer investindo nomercado de capitais viroumote de livros de autoajuda

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