RESPM ABR_MAI_JUN 2017
entrevista | Marcelo Cortês Neri Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 54 Revista da ESPM — Você ficou conhe- cido na última década como o economis- ta da nova classe média, por ter popula- rizado esse conceito. Hoje, passados três anos de recessão, muitos afirmam que a nova classe média não era tão média quanto se dizia na época. Era remediada. Marcelo Neri — Ela é uma classe média no sentido de que é o grupo do meio [napirâmide socioeconômicana- cional]. Talvez não corresponda às ex- pectativas de uma classe média ame- ricana ou europeia, que são ricas para os padrões brasileiros emundiais. Elas estariam mais em linha com a nossa classe A/B. A classe C é uma classe média brasileira no sentido econômi- co, não no sentido social. Eu não sou sociólogo, nunca tive a pretensão de criar um termo sociológico, mas do ponto de vista de movimentação dos mercados, de um retrato da distribui- çãode renda, é uma classemédia, sim. Revista da ESPM — Se era uma classe média, ela não atingiu uma condição social sólida o bastante para sobreviver à crise econômica, certo? Neri — Essa classe C — e todo o merca- do de trabalho brasileiro, integrado fundamentalmente por essas pessoas — manteve-se relativamente forte. O ápice dela foi em novembro de 2014, quando registrou a menor taxa de desemprego e o maior salário médio — dois anos e meio após o início de uma desaceleração forte doPIB, em2012. Revista da ESPM — Mas, a partir de 2015, odesempregoaumentaea rendacai. Neri — Nos últimos dois anos a queda da renda das pessoas está sendomaior do que a queda do PIB. Agora estamos voltando ao patamar de 2013. Muitos dizem que a classe média voltou para 2006. Não é verdade. Voltoupara 2013. Revista da ESPM — Alguns especialis- tas alegam que as classes sociais não se alteram com tanta rapidez. Além de um aumento de renda por um curto período, a mobilidade social dependeria de outros fatores, que têm a ver com qualidade de vida e dos serviços públicos. Como você encara essa corrente de pensamento? Neri — Essa é a visão dos sociólogos, que às vezes se sentem incomodados. Mas as minhas classes não são so- ciais, são econômicas. Note que as fir- mas tiveramde se adaptar a esse novo público, que elas não atendiam antes. Esse é um processo lento. O nosso até que foi rápido e intenso. Mas, para se consolidar, ele demoramais tempo. Revista da ESPM — Seu livro A nova classe média. O lado brilhante da pirâmide (Editora Saraiva, 2012) re- gistra que 29 milhões de brasileiros passaram a integrar a classe C entre os anos de 2003 e 2010. Nos últimos dois ou três anos, o país viu um movimento contrário, de gente saindo da classe C e retornando para as classes D e E. Como se deu essa virada? Neri — A crise começou a chegar ao mercado de trabalho no fim de 2014. Apesar do aumento do desemprego e da perda de vagas com carteira assi- nada, que é um importante símbolo dessa nova classe média, o brasileiro começou a montar o seu negócio, a fa- zer um“bico”. Então, de alguma forma, ele se defendeu ainda por um tempo. A partir do terceiro trimestre de 2015, a renda do brasileiro cai bastante. Desde então, em todos os trimestres até o co- meço de 2017, observamos não só uma queda da renda maior do que a queda do PIB, como também um aumento da desigualdade. Em 2015, a perda de renda média das pessoas foi de 7,04%, e oPIB per capita caiu4,6%. Revista da ESPM — Ou seja, as pessoas tentaram se segurar na classe média, mas caíram... Neri — Nos dois últimos anos há uma perda de renda até maior do que a per- da econômica. Só que o ganho conse- guido de 2003 emdiante foi tão grande que estamos voltando a 2013. Revista da ESPM — Por que só agora os indicadores mostram aumento da desigualdade social? Neri — É um processo novo. A princí- pio, a crise se manifestou por meio de uma estagflação: aumento da inflação e aumento do desemprego. Até mea- dos de 2016, ponto mais crítico da cri- se, quando a renda do brasileiro caiu 6%, 75%da queda de renda das pessoas era devido à inflação, e 25%, ao de- semprego. Como agora a inflação está caindo, ela passou a jogar a favor. E o desemprego está jogando mais contra do que nunca. Além daqueles que foram demitidos, muitos acham que Atémeados de 2016, que foi o pontomais crítico da crise, quando a renda do brasileiro caiu 6%, três quartos dessa queda eram devidos à inflação e umquarto, ao desemprego
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