RESPM ABR_MAI_JUN 2017

entrevista | Marcelo Cortês Neri Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 56 rar emtermos de recuperação, a partir da retomada do crescimento? Neri — Em termos de queda de renda, o ponto crítico da crise aconteceu no segundo trimestre de 2016. Desde en- tão, a perda de renda das pessoas vem diminuindo, embora o desemprego continue subindo. A inflação está aju- dando. Só que há dois componentes que dificultam a retomada do cresci- mento. De um lado, a desigualdade. De outro, as incertezas futuras. Embora os mercados estejam “valorando” a melhora de fundamentos prospectiva que houve no Brasil, ainda existem in- certezas de médio prazo. Neste ano, a rendaestápiorandoauma taxamenor, mas a desigualdade não dá qualquer sinal de arrefecimento. Revista da ESPM — Li alguns comen- tários seus com críticas e preocupação a respeito dos efeitos que as reformas propostas pelo governo Temer podem ter sobre o emprego e a renda do brasileiro. Oque essas reformas representam? Neri — As reformas, sobretudo a da Previdência, devem ser encaradas não apenas como uma forma de re- tomar o crescimento da economia, mas também como uma maneira de reestabelecer a justiça social. De reti- rar privilégios presentes no país. Vejo a defesa dessas reformas muito por causas macroeconômicas. As razões macro são importantes, mas há razões de justiça social. E o foco nos mais pobres ajuda a criar um ciclo virtuoso. Cada real que o país emprega no Bolsa Família tem um impacto sobre o PIB três vezes maior do que cada real que o Brasil aplica na Previdência e mais de quatro vezesmaior do que cada real que é depositado no FGTS. O governo adotou uma estratégia de liberar as contas do FGTS. Pode ser justo, mas não vai impactar muito a demanda. Seria mais sábio colocar o dinheiro na mãode quemconsome. Revista da ESPM — Outro possível entrave à retomada do crescimento é o endividamento das famílias. Neri — Ele deriva de uma deficiência que temos no Brasil: não acreditar em poupança. Num país com essa taxa de juros, só se beneficia quempoupa.Mas não houve um incentivo à poupança para o brasileiro aproveitar essa ano- malia e acumular capital. De alguma forma, o brasileiro está pagando a con- ta dos juros, pormeio de empréstimos, que tiram a sua renda disponível, ou da inadimplência, que explodiu nos últimos anos. Agora está havendo um processo de desalavancagemfinancei- ra, que vai ajudar oBrasil lána frente. Revista da ESPM — Isso pode servir de lição para o próximo ciclo de crescimento? Neri —Éumaquestãodifícil de respon- der. É necessário ter dados sobre isso. Temos uma pesquisa que mostra que somente 15% dos brasileiros poupa- ram no fim do período de ouro [entre 2003 e 2014], quando a renda estava crescendo. O país tem uma taxa de poupança que é umquarto da chinesa, e não é vista como virtude aqui. Mais do que o consumidor, os economistas brasileiros têmde aprendermais sobre as vantagens de poupar. O superendi- vidamento, em parte, é por causa da alta taxa de juros brasileira. Mais por isso e menos pelo total de dívida que aspessoas tomaram. Oproblema éque as pessoas pegarammuita dívida cara. Revista da ESPM — Ementrevista con- cedida para a própria Revista da ESPM , em 2011, você fez a avaliação de que o país estava perto de atingir a Meta do Milênio de reduzir a pobreza pela meta- de. Considerando os efeitos da atual crise econômica, essa previsão permanece válida ou precisa ser atualizada? Neri — A taxa de pobreza extrema, usando a linha de US$ 1,25 por dia, caiu de 6,26% da população brasileira em2004 para 2,34% em2014. Em2015, ela voltou para 2,88%. Apesar da volta da extrema pobreza, o Brasil cumpriu aMeta doMilênio, porque o prazo aca- bava em 2015. Existe aí uma mensa- gem importante: estamos na beira do precipício, perdemosmuito,masainda estamos surpreendentementenoalto. Revista da ESPM —Por que a surpresa? Neri — É uma surpresa para quem não acompanhou o período de ascensão forte que o Brasil viveu a partir do Pla- no Real. Depois tivemos um período de crises externas no fim dos anos 1990 e demonstramos uma resiliência grande também. O desemprego explo- diu, mas o tamanho da pobreza não aumentounesse períodode crise. Nos dois últimos anos, houve uma perda de renda atémaior do que a perda econômica. Só que o ganho conseguido de 2003 emdiante foi tão grande que estamos voltando a 2013

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