RESPM ABR_MAI_JUN 2017

Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 58 Muitoalémda crise: comoo consumodoBrasil é impactado porcomportamentosemergentes Toda escolha carrega uma série de significados sociais e dizmuito sobre a vida das pessoas. Logo, consumirmenos pode representar uma escolha construída a partir da mobilização de novos significados, que não estão diretamente ligados à queda de poder aquisitivo gerada pela crise política e econômica que o país atravessa. Descubra quais são essas novas lógicas comportamentais e como elas impactamo dia a dia da economia Por Gabriel Milanez e ArianaMonteiro Tendências A o longo dos últimos anos, a opinião pública, a imprensa brasileira e diversos estudiosos vêm retratando uma crescente onda de ins- tabilidade política e econômica no país. Cor- roborando essa perspectiva, no dia 8 de junho de 2016, oministro da Fazenda, HenriqueMeirelles, declarou ao jornal Valor Econômico que opaís estariaprestes a enfren- tar sua pior crise desde 1930devido à ameaça de queda do PIB por dois anos consecutivos. Não por acaso, os prin- cipais periódicos nacionais dedicam boa parte de suas manchetes a apresentar dados sobre as consequências da crise e a apontar como a queda de emprego e renda afeta diretamente o consumo interno. Tal correlação existe e é verdadeira. No entanto, é necessário considerar também que o Brasil passou por transformações que vão alémda esfera financeira (nota- damente a evolução de indicadores sociais, o aumento de escolaridade e a maior conexão à internet), cujos impactos se reverteram na acumulação de outros tipos de capital, como cultural e social, por parte dos brasi- leiros. Compreendendo o consumo como um campo de estudos impactado também por significados culturais e simbólicos, argumentamos neste artigo que existem outros fatores, além da queda de renda, contribuindo para as mudanças comportamentais de consumo que vêm ocorrendo no país. Campo de estudos que transcende a esfera econômica Emperíodos de crise, é esperadoque ocorramuma queda no padrão de consumo do país e um impacto no PIB interno. Especialistas, acadêmicos e a imprensa recons- troemrecorrentementeumargumento jábastante conhe- cido pelas ciências econômicas: comqueda na demanda de consumo, o setor produtivo passa a produzir menos; consequentemente, necessita de menos trabalhadores e as taxas de desemprego sobem; sendo tambémconsu- midores, os desempregados têm de mudar seus hábitos de compra; os padrões de consumo caeme a inadimplên- cia aumenta. Esse cenário impulsiona novas quedas na demanda de consumo e o ciclo de crise se retroalimenta. Sob essa perspectiva, é plausível inferir que a crise eco- nômica seja um fator relevante para explicar mudanças no padrão de consumo dos brasileiros — mas, note-se, “um fator”, e não o único. Conforme afirmam a antropóloga Mary Douglas e o economista Baton Isherwood, no livro Omundo dos bens: para uma antropologia do consumo (Editora UFRJ, 2004), há uma grande variedade demotivações que levamao ato de consumir. As escolhas vãomuito alémdo fator “neces- sidade” e “renda disponível”, uma vez que carregamsig- nificados sociais de grande importância e dizemmuito sobre a vida das pessoas que consomem, assim como

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