RESPM ABR_MAI_JUN 2017
Tendências Revista da ESPM | abril/maio/junhode 2017 60 sua forma de enxergar o mundo. O consumo atua como elemento construtor de identidades sociais. Logo, consumir menos (ou algo demenor valor finan- ceiro) pode ser não apenas decorrência da queda de renda da população, mas também uma escolha construída a partir damobilizaçãode novos significados atribuídos ao ato de consumir — como conexão comcausas globais ou expressãode umatopolítico, entre outras possibilidades. O capital econômico, cultural e social dos brasileiros Desde o início dos anos 2000, umconjunto de fatores ala- vancou um ciclo virtuoso de crescimento econômico e rendanoBrasil, comespecial destaqueparaa fasecompre- endida entre 2004 e 2008, quandohouvenotável aumento do emprego formal e diminuição progressiva dos índices de concentração de renda e pobreza. Durante esse perí- odo, os preços das exportações crescerammais do que os preços dos bens importados e consumidos internamente, o que se tornou um fator determinante para o aumento do poder real de compra no país em relação ao do resto do mundo, como indicamMariaCristinaCacciamali e Fábio Tatei, no artigo Mercado de trabalho: da euforia do ciclo expansivo e de inclusão social à frustração da recessão eco- nômica , publicado emagosto de 2016, na revista Estudos Avançados , da USP. Na ocasião, o consumo foi apresen- tado como uma grande força do país contra a crise global de 2008, pois permitia que o PIB nacional fosse menos abalado. Noticiários exaltavam o aumento do poder de consumodos brasileiros, que passavama realizar sonhos antigos (como aquisiçãoda casa própria, automóveis etc.) e atribuíam essa movimentação à elevação da classe C, descrita por Marcelo Neri no livro A nova classe média: o lado brilhante dos pobres (FGV/CPS, 2010). Esse ciclo per- durou até meados de 2012, quando os brasileiros ainda traziamemseus discursos uma tônica de euforia e espe- rança: em2011, 76% dos jovens acreditavamque o Brasil estava mudando para melhor e 89% tinham orgulho de serem brasileiros, de acordo com o estudo O Sonho Bra- sileiro , feito pela Box1824, em 2011. Apartir de 2013, no entanto, as transformações passa- rama ser percebidas pelos brasileiros. Aeconomia nacio- nal começou a dar sinais crescentes de esgotamento, com destaque para a manutenção de políticas econô- micas que diminuíram a arrecadação fiscal emmeio ao arrefecimento do comércio internacional, que desenca- deou uma gradativa recessão econômica. Os brasileiros se viram em meio a um choque de realidade: enquanto consequências econômicas de crises anteriores estou- ravam, houve grandemovimentação no âmbito político, commanifestações públicas massivas em todo o país. A população brasileira passou por uma visível osci- lação de renda, mas o período apresentou outras trans- formações estruturais no país e que não se perderam. Em primeiro lugar, há de se destacar que muitos indi- cadores sociais avançaram e, embora ameaçados pela crise, seus efeitos no país ainda se mostram positivos: a desigualdade social diminuiu segundo o coeficiente do índice Gini; o acesso a políticas sanitárias impactou as expectativas de vida da população, conforme rela- tado por Vera Schattan Coelho e Marcelo F. Dias em um dos capítulos do livro Trajetórias das desigualdades — como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos (Edi- tora Unesp/CEM, 2015); o número de pessoas em situ- ação de extrema pobreza diminuiu, como demonstra a análise da Pnad 2014 feita pelos pesquisadores André Calixtre e Fábio Vaz, do Instituto de Pesquisa Econô- mica Aplicada (Ipea); o acesso ao ensino fundamental Vivemos emuma culturaque transformou tudo emexcesso e qualquer bem(material ou simbólico) se torna passível de ser comprado e descartado
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