RESPM ABR_MAI_JUN 2017

abril/maio/junhode 2017| RevistadaESPM 65 shutterstock T odoaqueleque sededicaaacompanhar eana- lisar determinado ambiente, como o do con- sumo, se vê chamado a prospectar direções e tendências. Por mais que o termo “tendên- cia” já contenha a ideia de que não se trata de previsão segura − posto que ela não existe no campo das ativi- dades humanas −, é temerário aventurar-se nessa área. Ofatoéque,aoanalisarmosocomportamentodosjovens, ingressamosemumambientenoqualasgeneralizaçõesten- demaofiascoetudoconvidaaaçõespontuaisebemfocadas. Dessaforma,proponhoumareflexãosobreastendências deconsumo:umadireção,umenigmaeumproblema.Para evitar grandes generalizações, voume basear numcampo bastantecircunscrito,mas concreto: as formulações sobre tendênciasdecomportamentoderivadasdedemandasreais dasagênciasdepublicidade.Nosúltimosanos,sobretudocom oacirramentodacriseeconômicaem2014,tenhosidopro- curadoprofissionalmentepor grandes agências. Omesmo ocorrecommuitoscolegasdaáreadeciênciashumanas. Nafunçãodepsicólogo,souchamadocomoespecialista emcomportamento emente humana para contribuir na compreensãodealgumademandaespecíficadeumdeter- minado cliente. Por vezes, trata-se da etapa de concor- rência, mas, emgeral, já se está na fase de planejamento. Aqueles queme procuram trazempesquisas que des- crevem comportamentos de um grupo alvo específico, visando compreendê-lomelhor e então conceber ações de marketing. Embora as agências consigam ter uma riqueza na captura de comportamentos e tendências, muitas vezes falta alguém que possa analisar aquele material e contextualizá-lo cultural e socialmente. Aqui entra o profissional de ciências humanas. Com a sequência de convites, acabei por ter acesso a umrecorteespecíficoedelimitado: algunsdosproblemas reais que têm se apresentado às agências, como Talent Marcel, Ogilvy, Grey, Y&Re LDC. Como emalguns casos foi solicitado sigilo sobreo trabalho, não farei a identifica- ção específica das situações analisadas, que envolveram contas de automóveis, produtos de beleza para mulhe- res e homens, supermercados e bebidas, entre outras. Uma direção Ébastanteclaroqueogrupomais recorrentenessaamos- tra é o da classe C, mais especificamente o segmento de mulheres jovens pertencentes a esta camada social. E aí parece se desenhar uma direção. Sabemos que ao longo de 20 anos — desde o estabele- cimento do real como moeda e passando pelas ações de inclusãosocialfocadanoconsumo,pelosúltimosgovernos — houve uma verdadeira explosão no campo do consumo no Brasil. E foi especificamente a classe C a estrela desse fenômeno. A consistência desse novo acesso foi testada exatamentenesteperíodode crise. Arestriçãode crédito, oaumentode juroseoendividamentoacumulados, soma- dosàs incertezas relativasao futuro, produziramuma ine- vitável retraçãodo consumo. Será que aquela inclusão foi falsa ou inconsistente e teria se dissipado? Até aqui, o óbvio. Como óbvio é o interesse por parte do mercadoemnãoperderaquelecontingentedeconsumido- res. E então apareceu recorrentemente nas pesquisas das agências umdado interessante. Semdúvida, os consumi- dores da classe C diminuíramseu consumo e passarama substituirprodutosmaiscarosporoutrosmaisbaratos,mas permaneceu uma faixa de consumo de determinados pro- dutosmaiscaros,quehaviampassadoaserconsumidosno períododeaumentodepoder aquisitivo. Tudo leva a crer que se trata de uma questão relativa à identidade. Ainclusãosocialproduzidapeloacessoaoconsumopro- vocouumimportanteefeitodeautoestima.Numambiente cultural dominadopeloconsumo, poder ounãoconsumir ganhaadimensãode“existir”socialmenteounão.Asdiver- sasformasdeostentaçãodonovopatamardeacessoaocon- sumoderamtestemunhodisso. Eracomalívio, epor vezes comeuforia,queseostentavaonovopatamardeexistência. Coma retração do consumo na crise, parece ter se tor- nado uma questão de vida oumorte a afirmação de que aquela conquista não seria perdida, não haveria retorno à condição anterior. Assim, emmuitos estratos sociais, houve um enxugamento importante do consumo, mas alguns itens (como eletrodomésticos, viagens, bebidas) foram mantidos como índices de pertinência, marcos de um território que não poderia ser perdido. Para muitos autores da área de ciências humanas, direcionar a constituição da identidade à possibilidade de consumo seria umcaminho alienante de submissão ao neoliberalismo. Em outros termos, esse acesso ao consumo seria enganador e apenas a forma de o século 21 atualizar a cultura de massa do século 20. Esta leitura é forte, mas talvez só contemple as “inten- ções”daculturademassa, semlevar emcontaas reaçõese

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