RESPM JUL_AGO_SET 2017
entrevista | Otaviano Canuto Revista da ESPM | julho/agosto/setembrode 2017 12 Revista da ESPM — Por que temos a sensação de que o mundo está se desglo- balizando? Otaviano Canuto — Ocorre que, de- pois da crise financeira global e as dificuldades de recuperação do cres- cimento mundial, problemas estru- turais vieram à tona e se traduziram em pressões por mudanças, principal- mente nomundo avançado. Mas a glo- balização foi fantástica para a maioria da populaçãopobre domundo. Revista da ESPM — Fantástica? Canuto — Graças à integração, mais de um bilhão de pessoas se bene- ficiaram das oportunidades que o comércio internacional abriu via fragmentação dos processos de pro- dução e deslocamento de atividades intensivas emmão de obra para parte da periferia do planeta. Isso acontece a partir da integração da China aos fluxos de comércio globais, da queda do Muro de Berlim e do desmorona- mento da cortina que separava as duas partes do mundo capitalista e socialista. Tudo isso permitiu o aces- so à economia de mercado de uma massa enorme de trabalhadores, ain- da que emcondições precárias de ren- da. No outro extremo, a globalização também beneficiou os detentores de riqueza. O uso de contêineres tornou possível o traslado de produtos a cus- tos menores. As telecomunicações permitiram a coordenação de proces- sos produtivos a distância. Revista da ESPM — Que problemas têm causado pressões por mudanças? Canuto — Há um problema central nas economias avançadas, que é uma quantidade de capital em busca de oportunidades de valorização muito superior ao que o próprio mundo de- senvolvido tem sido capaz de oferecer. Então, o capital ficou barato, a mão de obra ficou barata em escala global e a tecnologia permitiu a junção dos dois. A base de infraestrutura e de políticas nacionais foimodificada para permitir isso. Tarifas caíram, processos de inte- gração comercial foram facilitados por medidas de simplificação regulatória, o mundo se integrou. O pessoal da base da pirâmide subiu, o 1%mais rico subiu, mas uma faixa que corresponde a classes média-baixa e baixa nas eco- nomias avançadas não se beneficiou tanto e disse: “E nós?”. É nesta faixa que começam a aparecer movimentos de reação ao sistema, com formas de protestos que dependem de um alvo imediato e de quemparece culpado. Revista da ESPM — Por exemplo? Canuto — Imigrantes. Os ingleses es- tão de olho nos europeus orientais que vãopara Londres. Nos EstadosUnidos, são os mexicanos — imigrantes e pro- dutos. Ou os produtos chineses. Na França, oque subjaz à reaçãodadireita reacionária são supostamente imi- grantes. Esta situação de fragilização dessa camada [as classes média-baixa e baixa dos países desenvolvidos] também reflete o processo de trans- formação produtiva nesses países. Na verdade, mesmo que não houvesse a abertura comercial, sofreriamdames- mamaneira, por conta damudança de carvão para energia limpa, dos proces- sos de produção mais automatizados, dopesocadavezmaior dos serviçosno PIB dos países avançados. Não é culpa da China nem daquele bilhão que emergiu, mas movimentos populistas põema culpa nosmigrantes e nos pro- dutos importados baratos. Revista da ESPM — É a rebelião dos remediados que estão ficando para trás? Canuto — Grupos com a renda estag- nada reagiram ao que lhes parecia ser a causa do problema. Não eles próprios. Nem a falta de adequação de suas habilidades e de sua educação. Em grande medida, tudo isso acon- teceu porque houve um descaso dos países avançados, em relação a esses grupos. As políticas nos Estados Uni- dos não foram ativas o suficiente para dar conta da massa populacional do Meio-Oeste e de outras partes do país que perderam empregos e não viram a criaçãodenovos. Revista da ESPM — Então, o risco de desglobalização é real. Canuto — Tem ocorrido um certo au- mento do protecionismo. Pode ser que ocorra se o presidente Donald Trump resolver cumprir o que prometeu. Mas, até aqui, não tem sido assim. A lógica corporativa é a favor da integração. Revista da ESPM — No entanto, o cli- ma global é de pessimismo. Canuto —Há umoutroproblema. Exis- Não há como rebobinar, voltar à situação anterior. Isto é falso. Vende-se uma ilusão. Emgrandemedida, tudo isso aconteceu porque houve umdescaso nesses países avançados
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