RESPM JUL_AGO_SET 2017
entrevista | Otaviano Canuto Revista da ESPM | julho/agosto/setembrode 2017 14 prego, aquilo era a resposta à neces- sidade de dar um impulso pelo lado doméstico no crescimento da econo- mia norte-americana. Esse lado não seria mal para o Brasil. Iria aumentar a demanda por algumas de nossas commodities, ampliar o comércio glo- bal e indiretamente o nosso. Esse era o lado benigno. Desde que esse pacote fosse exequível. E que não se fizesse acompanhar por todo o lado maligno das propostas de protecionismo, dele. Revista da ESPM — A volta do nacio- nalismo pode ser vista como consequên- cia de um longo período de globalização que deixou populações excluídas, em várias partes domundo? Canuto — Sim, mas não são várias par- tes do mundo. É principalmente em economias avançadas, onde, as clas- sesmédia e baixa não se beneficiaram tanto. Isto é importante, porque osmo- vimentos antiglobalização estão ten- tando pegar carona em algo que não tem fundamento. Quem viajar pelo mundo e rodar pela Ásia, por parte da África — que está tentando se integrar —, ou ainda pela Europa Oriental, na parte que se integrou à União Euro- peia, e falar que é contra a globalização vai ser chamado de louco. Vejo muito frequentemente, emdebates no Brasil, gente tentando transplantar questões e desafios da Inglaterra, dos Estados Unidos ou da França para cá. É uma realidade completamente diferente. Nós carecemos demais globalização. Revista da ESPM — Se tirarmos o foco do curto prazo, das turbulências nos Es- tados Unidos e Reino Unido, e olharmos para frente, qual seria o cenário para o Brasil nos próximos 20 anos? Canuto — O cenário pessimista é mais fácil de descrever: continuar fazendo o que temos feito nos últimos 20 anos. Ou seja, fazer de conta que as mudanças não estão ocorrendo lá fora e tentar repetir políticas que podem ter feito sucesso parcial no passado. Continuar achando que podemos nos bastar isolados ou ainda acreditar que não é necessário fazer reformas estru- turais — que boa parte do mundo em desenvolvimento que passou pela glo- balização já fez. Já o cenário favorável éaquelenoqual todos essesproblemas são encarados. É um cenário que vai envolver maior integração comercial do Brasil, menor uso de políticas ar- bitrárias e uma melhor governança na relação entre os setores público e privado. Que não seja omodelo emque o Estado absorve uma parcela grande de recursos e os distribui conforme si- tuações privilegiadas de grupos nessa relação comoEstado. Revista da ESPM — Campeões na- cionais... Canuto — Campeões nacionais, gru- pos de trabalhadores que têm condi- ções privilegiadas em relação a outros na Previdência, um ambiente de ne- gócios horroroso, que favorece quem opera à margem da concorrência. No Brasil, a sobrevivência de empresas ineficientes é maior que nos outros paí- ses, como aponta um estudo do Banco Mundial. Aqui existem mecanismos pelos quais a concorrêncianãoéplena. Revista da ESPM — O que mais nos daria competitividade? Canuto — Estamos atrasados em bus- carmelhorasnaeducação. Atéfizemos umbelo esforço agora paramelhorar o acesso. Mas a qualidade da educação ainda é ruim. Ela não prepara, não dá condições à grande parte da popula- ção para se inserir profissionalmente em processos de produção intensivos em tecnologia e desenvolvimento de capacidades locais. Nós temos um ambiente de negócios que é inimigo do investimento em aprendizado tec- nológico. Ele envolve desperdícios de recursos humanos em atividades que não agregam valor. No Brasil, um di- retor de relações institucionais numa empresa ganha muito mais do que o diretor de produção. Porque a relação com os governos vale mais do que a produção. Nosso sistema tributário desestimula a empresa a investir no treinamentodo seupessoal. Revista da ESPM —Desestimula? Canuto — Sim. Certa vez, eu escutei o presidente da JBS, num seminário em NovaYork, dizer que enquantoogrupo tinha cinco advogados nos Estados Unidos para lidar com assuntos tribu- tários, trabalhistas e contratuais, no Brasil eram200. Revista da ESPM — Qual seria uma estratégia de internacionalização bem pensada para o Brasil? Nós temos umambiente de negócios que é inimigo do investimento emaprendizado tecnológico. Ele envolve desperdícios de recursos humanos ematividades que não agregamvalor
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