RESPM JUL_AGO_SET 2017

julho/agosto/setembrode 2017| RevistadaESPM 91 shutterstock F ernandoHenriqueCardoso(FHC)éconhecidopor tersidoumpresidenteneoliberal.Aalcunhaadvém não de sua biografia acadêmica, e simdo alinha- mentodesuaspolíticascompreceitosquehaviam sidocompilados(nãoconcebidos)numdocumentode1989: o Consenso deWashington. Ali, constava o receituário em grandemedida seguido por FHC — que incluía a disciplina fiscal, areforma tributária, adesregulamentação, a liberali- zaçãodosinvestimentos,aprivatização,aliberalizaçãodos juroseaaberturacomercial.JohnWilliamson,oautordo“con- senso”,haviaincluídoatéuma“taxadecâmbiocompetitiva” comoumdos itens.Umpercursorápidoda listaésuficiente paraseconcluirqueFHCtendeuaoneoliberalismo,masque certamentenãoconseguiupô-loempráticaplenamente. Talvezoitememqueopresidentetenhaficadomaisaquém do conceito original tenha sido o da abertura comercial. A maior aberturacomercial nãosedeuemseugoverno, esim nosgovernosanteriores, emespecial nogovernoFernando CollordeMello(1990/1992),queeliminoubarreirasnãotari- fáriaseregimesespeciaisdeimportaçãoeimplementouum cronograma de redução de alíquotas de importação, que seriaperseguidopor seusucessor, ItamarFranco, até1995, inclusivecoma introduçãode reduções tarifáriasno início do Plano Real, em1994. A tarifa nominal média de impor- tação foi de 40%, em1990, para 13%, no começode 1995. Entreos anosde1995e1998—ouseja, noprimeiroman- datodeFHC—,oprogramadeliberalizaçãocomercialsofreu um revés importante, coma elevação de tarifas de alguns bens de consumo e a reintrodução de dificuldades admi- nistrativasna importação. Alíquotasde importação foram elevadas para itens emque havia umcrescimento signifi- cativo de importações, como automóveis, motocicletas, bicicletas, tratores, eletroeletrônicosdeconsumo, tecidos, cobertores e tênis. Apartir de 1999, coma desvalorização do real, a situação tarifária voltou a se estabilizar (e não regredir). O que conteve o ímpeto protecionista em plena fase “neoliberal” foi a disciplina externa, que, esta sim, foi agrandemarcadapolíticacomercial brasileiranoperíodo. Camisa de força Aascensão de FernandoHenriqueCardoso à presidência em1º de janeiro de 1995 se deu, curiosamente, aomesmo tempo que diversos elementos da agenda de comércio internacional e regional batiamàportadopaís. Namesma data da posse donovopresidente brasileiro, entravamem vigor o Protocolo deOuro Preto doMercosul, que tornava o bloco uma União Aduaneira com uma tarifa externa comum (TEC), e a Organização Mundial do Comércio (OMC), que conduziria a implementação dos acordos da chamada RodadaUruguai. Emambos os casos, o país “se curvava” à disciplina de regras e objetivos incorporados eminstrumentos externos, internacionais—sobretudono tocante à eliminação de barreiras comerciais. Noentanto,ofatorquemarcouaarrancadadanovaadmi- nistração, apartirde1995, emrelaçãoa temasdocomércio exterior foi algoquenãoentrouemvigornamesmadatada possedopresidente,masquecomeçouaoperarde todasas formasdesdeentão:aÁreadeLivreComérciodasAméricas (Alca),umdosprincipaisresultadosdareuniãodachamada Cúpula das Américas, cujas negociações haviamsido lan- çadas dias antes, em11 de dezembrode 1994. SeriajustodizerqueaAlcatornariaasnegociaçõescomer- ciaisoitemmaisimportantedapolíticacomercialbrasileira por pelomenos uma década. Graças a ela, vários ajustes e redefinições ocorreramno regime comercial do país, que talveznãoteriamocorridoemsuaausência.Assim,ocomér- cioexterior, queatéentãoera tratadoprimordialmentepor trêsministériosepeloBancoCentral, agoraatrairiavários outros ministérios e agências do governo, já que o escopo das questões negociadas havia aumentado consideravel- mente. Concomitantemente,muitos interessesprivados e degrupossociaisatéentãoausentesdouniversodocomér- cio exterior agora tambémse faziampresentes. Efeitopeculiardostempos,acombinaçãodoscompromis- sos assumidosnoMercosul enaOMCcomasnegociações daAlca reduziamoespaçoparapolíticasverdadeiramente unilaterais.Aagenda,emgrandemedida,estavadadaemter- mosdeaberturacomercial eapolíticadecomércioexterior necessariamenteseajustava,relegadaasuaimplementação e/ouadequaçãoàs realidadesdomomento. Temas tradicio- nais do comércio exterior, tais como quotas, medidas não tarifárias, licenças não automáticas, valoração aduaneira edefesacomercial seriamobviamente tratadospelaestru- turadosministérioseconômicos,mas tambémrequeriam abordagemmais ampla, de forma a considerar as agendas externas — seja de implementação, seja de negociação. No fimdo segundo governo FHC, a política de comércio exterior no Brasil já se havia tornado quase equivalente a uma “políticadenegociações comerciais”. Ofenômeno lan- çado pela Alca ampliou-se para incluir outros processos de

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