Revista da ESPM
ABRIL/MAIO/JUNHODE 2018| REVISTADAESPM 109 vislumbramnos novos sistemas e práticas sociais, cul- turais e econômicas decorrentes da 4ª Revolução Indus- trial o fim dos vínculos sociais, do trabalho, a desuma- nização completa a partir da manipulaçãomolecular e genética, a legitimação de extensivas redes de vigilân- cia e uma infinita série de problemas éticos que rebai- xariam a capacidade deliberativa do ser humano, tor- pedeando o livre-arbítrio, desprovendo a capacidade moral dos sujeitos e mitigando não só sua autonomia como também aquilo que lhe constitui. Nesta linha, os malefícios de umcarro autônomoouda inteligência arti- ficial que permite a criação de sofisticadosmecanismos de marketing de relacionamento superariam qualquer possível benefício. Por seu turno, háumsegundoveiodiscursivoquepode- ríamos denominar deutópicoouotimista, que vislumbra umadmirávelmundonovonoqual as tecnologiasdigitais são uma aliada do ser humano, infundindo capacidades e habilidades que locupletam o ser e melhoram a vida emsociedade. Os gadgets e suas redes potencializariam o indivíduo, favorecendo o desenvolvimento individual que permitiria um círculo virtuoso, extensível à vida em comum. A inteligência artificial possibilita dimi- nuir a imprecisão e o erro humano. Quemnão gostaria de tê-la como aliada para melhorar diagnósticos médi- cos? Por que não nos servirmos de robôs para liberar o ser humano de trabalhos insalubres? Mais do que esgarçar posturas extremas entre distó- picos e utópicos, vale-nos buscar omeio-termo que nos permita acessar as virtudes dessas posturas, como bem ensinou Aristóteles em sua Ética a Nicômaco . Sem cair no senso comumou num caminho simplista, é sempre bom lembrar que no terreno da ética não há verdades ou falsidades, apenas autores, teorias e propostas que defendem muitas vezes posturas contrárias. Ainda que alguns pensadores tentem racionalizar a ética ao extremo, essa é coisa humana e, portanto, subjetiva, escrava de paixões, opiniões e preferências. A questão da privacidade Um dos pontos nevrálgicos a serem enfrentados eti- camente a partir do novo contexto que a 4ª Revolução Industrial apresentaécomoconjugar usos eapropriações das tecnologias na comunicação e no marketing e res- peitar a privacidade. Muitos analistas apressados argu- mentamque esse novo contexto elimina a privacidade e que estaríamos diante de umcenário de “pós-privaci- dade”. Se assim fosse, não teria por que ainda usarmos senhas para proteger nossos e-mails e celulares, aban- donaríamos o uso de chaves e tudo aquilo que ainda nos permite manter um condão de intimidade. Está claro que a privacidade passa por uma transfor- mação radical e que não sabemos ao certo definir hoje em dia os limites que conformam as fronteiras entre o público e o privado. Na literatura científica sobre polí- ticas de privacidade e ética, no entanto, há pelo menos um consenso: o fato de que o usuário tenha oferecido o seu consentimento não deve ser visto como um che- que embrancomoral às empresas, algo que lhes faculte vasculhar os dados e a vida pessoal de cada consumi- dor, manipulando-os ao seu bel-prazer. Coloquemos umexemplo: para acessar uma rede social, você precisa estar de acordo coma política de privacidade dela. Ima- ginemos que lhe pareça abusivo o fato de essa empresa colocar nesse documento — quase sempre em inglês e com um formato jurídico de difícil leitura — que tudo o que você tem no seu computador pode ser acessado e shutterstock A inteligênciaartificial possibilitadiminuir a imprecisãoeo errohumano. Quemnãogostariade tê-lacomoaliadapara melhorar diagnósticosmédicos?
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