Revista da ESPM
SOCIEDADE REVISTA DA ESPM | JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇODE 2018 36 Pesquisasmostramqueas fakenews arrebatamasmassasdemodoacachapante, numgraujamaisatingidopelosmeios jornalísticosditosconvencionais revoluções e novidades. Não é por aí que aponto senões nas redes. De jeito nenhum. O problema delas não está na tecnologia ou nas inte- rações intensas que elas propiciam, mas emoutro lugar. Oproblema está em temas como a concentração de pro- priedade, a exploração industrial do olhar do desejo em bases e em escalas que não têm qualquer paralelo na história e os moldes monopolistas com que as redes se apossaramdo fluxo das comunicações digitais em todo o planeta. O problema, enfim, está nas relações sociais (relações de produção da indústria do imaginário) e no fato de que elas não são públicas em seus controles e na sua propriedade, embora tenham ocupado de modo totalizante o espaço público. A fabricação de valor implementada por empresas como Facebook e Twitter é tão genial quanto devasta- dora. Nelas, os usuários entram no jogo como mão de obra (gratuita e, logo, escrava), como matéria-prima (tambémgratuita) e, por fim, comomercadoria. Atenção para isso: você, como seu perfil ativo no Facebook, que acredita ser o consumidor e o beneficiário dessa para- fernália toda, na verdade, é o escravo, a matéria-prima e a mercadoria. O resto é ilusão cibernética e gozosa. Graças a essemodelo originalíssimo, o Facebook não precisa gastar umcentavo para “gerar conteúdo” (no jar- gãohorrorosodessemercado). Seususuáriosatuamcomo digitadores, fotógrafos, locutores, atores, sonoplastas, escritores e tudo o mais. Os usuários (você, seus fami- liares e seus amigos e inimigos) são os operários que confeccionamou extraemamatéria-prima, da qual são tambémos beneficiadores e empacotadores. E, embora se vejamcomo “clientes” de um“serviço” que imaginam gratuito, esses usuários (sim, você aí!) são também a mercadoria final. São seus olhos que são vendidos aos anunciantes, e você não ganha nada por isso (apenas diversão imaginária). Veja que coisa genial: a mercadoria é o freguês. Bem sei que isso que escrevo não é (mais) nenhum segredo. Estou aqui repetindo algo que digo há muitos anos, quando ainda era segredo, mas que agora vai ficando cada dia mais evidente. Denúncias crescentes sobre o uso de informações pessoaismercadejadas pelos admi- nistradores das redes correm o mundo em escândalos sucessivos. Nas redes, asmais exibicionistas intimidades adquiremumsinistro valor de troca para asmais intrin- cadas estratégiasmercadológicas. Ousuário alimenta o usurário — com seu próprio trabalho, um trabalho que, vamos repetir e repetir, não é remunerado. Clicando “curtir” para lá e para cá, o freguês fabrica alegremente o “database marketing” que o vende sem que ele saiba. Nesse modelo de negócio (outra expressão apavo- rante, posto que não se refere a uma top model que faça algum tipo de comércio) a mão de obra sai de graça e a matéria-prima, idem. Para a empresa, amercadoria sai de graça também. Graças a essa fórmula, o Facebook só precisa investir em tecnologia e naquilo que eles cha- mam de “inovação”. Depois, é só faturar. O usuário é a mão de obra (pois é ele quem digita, quem grava, quem fotografa, quem edita...), é a matéria-prima (pois são as suas histórias, suas imagens, seus depoimentos, seus relatos e suas intimidades que abastecem todo o “con- teúdo” que, por sua vez, vai atrair maismão de obra gra- tuita) e também a mercadoria (pois, como eu já disse, o que as redes vendemnão é nada alémdos olhos das pes- soas que lá se confraternizamumas comas outras, para xingar terceiros que, por sua vez, só se confraternizam entre eles mesmos). Mais Facebook. O inventivo — e desleal — modelo de negócio de Zuckerberg conseguiu o feito de se tornar monopólio mundial. Nesse ponto, as ironias pululam. Por exemplo: quando conheci oMídia Ninja, commuito prazer, duranteasmanifestaçõesde2013, ogrupogostava de se referir a si mesmo como uma forma de imprensa, pelo queme lembro, “anti-hegemônica”. Não obstante, o MídiaNinja existia exclusivamentenoFacebook.Muitos de seus posts traziam denúncias de alegados monopó- lios e oligopólios dos meios de comunicação no Brasil, mas nenhuma linha era disparada contra o monopólio global do Facebook, o traficante da privacidade de seus escravos satisfeitos. A partir desse ponto, fica nítido como o Facebook e o Twitter, além dos sites de busca, a exemplo do Google, acelerarame fortalecerama era da pós-verdade. Isso se deu por pelo menos dois motivos. O primeiro tem a ver com um incremento de velocidade, alcance, eficácia e escala. Vários levantamentos mostramque as notícias
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