Revista da ESPM
ENTREVISTA | EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 14 Revista da ESPM — De onde nasceu a ideia do artigo inédito que abre seu novo livro? Eduardo Giannetti — O livro atual, O elogio do vira-lata , retoma a quarta parte do meu livro anterior, Trópicos utópicos (Companhia das Letras, 2016), que é uma perspectiva da cri- se civilizatória brasileira. Quando publiquei esse livro, eu participei de um debate na Casa do Saber, na companhia do economista Pérsio Arida, a quem muito admiro. Lá, ele fez uma crítica, que imediatamente aceitei e que estava coberta de razão. A quarta parte de Trópicos utópicos , que tratava da identidade e peculia- ridade brasileiras, segundo Arida, poderia ser melhorada e mais desen- volvida. Então eu resolvi trabalhar. Após a provocação de Pérsio Arida, escrevi dois ensaios inéditos: um sobre o complexo vira-lata e outro sobre o pensamento do filósofo por- tuguês Agostinho da Silva. Ele foi um pioneiro, um profeta utópico, que fa- lava do destino dos países de língua portuguesa, incluindo o Brasil, onde passou por mais de 30 anos. Essa é a origemde O elogio do vira-lata . Revista da ESPM — O sentimento do vira-lata ganhou força com os últi- mos eventos da política e da economia no Brasil? Giannetti — Nós precisamos ter o cuidado de não misturar o cir- cunstancial da conjuntura com o permanente da cultura. Não vamos nos ater a crises que nos afligem no momento. A oscilação do brasileiro com as circunstâncias é de uma volatilidade fantástica. Quando as coisas vão bem, nós rapidamente entramos em estado de euforia e, quando vão mal, somos tomados por um pessimismo terminal. A oscilação de sentimento em relação ao Brasil é acerbadíssima na nossa história. As coisas não são tão boas quando vão bem e nem tão perdi- das quando vão mal. Não podemos esquecer que, poucos anos atrás, vivemos um quadro intenso de eu- foria, no segundo governo de Lula: a economia crescia e 40 milhões de brasileiros eram incorporados à classe média, o Brasil era escolhido para sede dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de futebol. Houve a descoberta do petróleo do pré-sal, que era saudado como passaporte para o Primeiro Mundo. Lula che- gou a tratar a descoberta como um bilhete premiado! Foi o ápice a que chegou àquela capa da revista The Economist com o Cristo Redentor decolando. Estou numa idade em que, diversas vezes, assisti ao clima de euforia suceder o pessimismo. Ao contrário dos jovens, que veem isso pela primeira vez, eu consigo enxergar em perspectiva sobre esse momento. Tanto o ensaio Trópicos utópicos quanto O elogio do vira-lata são uma tentativa de resgatar o que há de permanente e belo na cultura brasileira, não obstante a atual con- juntura nacional sombria. Revista da ESPM — Como o senhor sintetizaria esse aspecto belo e único na nossa formação, que traz tanto da identidade luso-africana exaltada pelo filósofo Agostinho da Silva? Giannetti — O complexo do vira-lata: somos fruto de uma cultura única do planeta. O componente afro-ame- ríndio na cultura brasileira é o que temos de melhor. É o que temos de original em relação ao modelo an- glo-norte-americano com sinais de falência, tanto do ponto de vista am- biental — o mundo inteiro não pode compartilhar do exacerbado grau de consumo que existe nos Estados Unidos — quanto do ponto de vista do bem-estar humano. Esse modelo de alto poder competitivo, calculista e hipermaterialista leva a um em- pobrecimento afetivo, espontâneo da vida. O Brasil, nesse sentido, até pelas dificuldades em aderir a esse modelo que não nos comove, pre- serva esse dom da vida. A condição de vira-lata não é de modelo consu- mista. Vira-lata tem horror à ideia de pureza, raça pura, razão pura, a modelo de máxima eficiência, calculista e competitivo, à busca do sucesso econômico, à métrica do su- cesso econômico. Isso não faz parte do imaginário brasileiro. Revista da ESPM — Qual é a nossa essência? Giannetti — Nós somos portadores da promessa de originalidade. Não se trata de saber se o mundo vai se render ao que o Brasil é, mas de Nós não precisamos de níveis de renda, como os Estados Unidos, Alemanha e Japão, para alcançar níveis altos de felicidade humana. Isso é uma boa notícia!
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