Revista da ESPM
ENTREVISTA | EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 16 Revista da ESPM — Essa qualidade do brasileiro é o que muito atrai es- trangeiros a viver aqui. Por outro lado, o senhor cita no livro o conto Miss Edith e seu tio , publicado em 1914, por Lima Barreto, que expõe de ma- neira divertida esse nosso complexo de inferioridade em relação a outros po- vos. Esse comportamento não poderia estar associado ao fato de o Brasil ser um país fechado demais? Por séculos ficamos isolados na época colonial e hoje ainda são poucos os brasileiros que têm condições econômicas para viajar para fora do país. Giannetti — O Brasil é uma cultura fechada e isso é ambíguo. A per- gunta é complexa. Exige uma série de abordagens. O Brasil tem senti- mento de inferioridade, principal- mente em relação aos países ricos. Isso mostra, com acuidade, como se pratica a micropolítica da su- balternidade. Esse sentimento nos acompanha desde o início da nossa existência. O próprio nome que nos designou antes da palavra brasileiro era mazombo, que significa tosco, iletrado, rústico, ou seja, o filho do encontro do aventureiro português com a índia. Ou era o escravo, a partir do século 16. A pessoa que tinha vergonha de ser o que era e que sonhava em viver na metrópole. Esse sentimento de inferioridade nos acompanha desde esse tempo. E está latente tanto na vida pública quanto na vida privada, como mos- tra o conto de Lima Barreto. Revista da ESPM — Esse sentimento de inferioridade compõe, então, o nos- so imaginário desde o início? Giannetti — Em 1958, Nélson Ro- drigues nomeia esse complexo de vira-lata. É um verdadeiro ovo de Colombo, embora no contexto par- ticular da Copa do Mundo. Quando ele nomeia esse sentimento, des- cortina um traço da alma brasilei- ra que nos acompanhava desde a origem. Em uma série de artigos maravilhosos, extremamente ins- pirados e profundos em relação ao subterrâneo da alma brasileira, Nélson Rodrigues está absoluta- mente correto em identificar esse traço da nossa psicologia. Por outro lado, ele foi equivocado, até infeliz, ao escolher o termo vira-lata para descrever nossa inferioridade. O que nós somos? O vira-lata é o mes- tiço, a mistura e o sincretismo. Não só étnico, mas cultural, que é o que temos positivamente de melhor. O verdadeiro complexo de vira-lata é a ideia de que há algo de errado em ser vira-lata. É disso que nós devemos nos livrar. Nós não somos uma raça impura, porque somos misturados. Nós somos resultado de uma fusão que nos engrandece. Tanto na cultu- ra quanto no próprio corpo. Revista da ESPM — O problema é que a mistura nem sempre é vista como um traço positivo por nós mesmos. Giannetti — O escritor franco-arge- lino Albert Camus, ao vir ao Brasil, teve a acuidade de reconhecer isso. A beleza dessa cultura tão mistu- rada, em que as relações humanas têm calor, uma grandeza que ele não via nos povos frios e tempera- dos da Europa. É preciso separar no complexo vira-lata o que há de verdadeiro e o que há de falso, como o reconhecimento do sentimento de inferioridade que nos permeia a partir da escolha do título de vi- ra-lata para designar aquilo que há marco britto / shutterstock . com Somos fruto de uma cultura única do planeta. O componente afro-ameríndiona cultura brasileira é o que temos demelhor. Éo que temos de original emrelação aomodelo anglo-norte-americano comsinais de falência
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