Revista da ESPM
JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018| REVISTADAESPM 19 empresa que começa pequena. Pre- cisa de crédito, segurança jurídica, contratos de trabalho, e tudo isso é complicado para quem está come- çando. Temos de incrementar essas duas dimensões para realmente ins- trumentalizar essa chamada classe emergente para que possa transfor- mar seu potencial empreendedor em resultado. Revista da ESPM — Falando sobre classes emergentes, estamos celebran- do 130 anos da abolição da escrava- tura, mas as marcas da escravidão continuam profundas na sociedade brasileira. Seremos capazes de fazer uma releitura mais justa dessa carac- terística tão forte da nossa formação como país? Giannetti — Joaquim Nabuco [di- plomata do Império e abolicionista] dizia: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a condição nacional do Brasil”. O curioso na afirmação de Nabuco é que, por mais aguerrido que tenha sido na abolição, ele foi capaz de reconhe- cer a importância da vinda da cul- tura africana para as Américas, es- pecialmente para o Brasil, e o modo como isso, por caminhos cruéis e tortuosos, de certa maneira nos enriqueceu. Eu gosto de Joaquim Nabuco por mostrar esses dois as- pectos. Ele é capaz de ver o que há de mais tenebroso nessa realidade, mas não deixa de reconhecer a pro- messa que essa transmigração de povos inteiros trouxe para o país. Diferentemente dos Estados Uni- dos, os deuses africanos não morre- ram no Brasil. Não há deus africano nos Estados Unidos. A música negra americana não é música africana, mas americanizada. No Brasil, não. É música africana. Os portugue- ses, ao contrário dos colonizadores anglo-saxões, permitiam aos es- cravos o uso dos instrumentos de percussão. Isso preservou a religião, a expressão da música negra. Nos Estados Unidos, a música negra é um gueto. No Brasil, ela entrou na veia principal da cultura. Acho que temos de reconhecer isso como algo valioso. É isso que nos diferencia, é uma promessa de originalidade. Revista da ESPM — Mas não persis- te na nossa sociedade uma resistência em ceder espaço para o negro? Giannetti — Acho que o problema é muito mais social que racial. Não é só negro. Nós só vamos saber a extensão do problema estritamente racial do Brasil quando nós formos uma sociedade menos desigual. Hoje não dá para saber. Quando formos uma sociedade mais igua- litária, acho que teremos uma boa surpresa. Nosso problema é a obs- cena falta de oportunidades. Não há ódio racial, insensibilidade racial, como nos países do Norte. Revista da ESPM — Qual a raiz des- sa imensa desigualdade que o Brasil tem em relação a países que seriam teoricamente similares? O senhor é otimista em relação à nossa capacida- de de reverter essa realidade? Giannetti — Esse ensaio [ de redução da desigualdade ocorrido durante o governo Lula ] foi equivocado, na mi- nha avaliação, porque tentou equa- lizar o consumo. Temos de equali- zar as oportunidades e a formação humana. Começa por aí. O consumo é consequência. Esse fenômeno é muito complexo. O modelo de desenvolvimento brasileiro e as po- líticas de aceleração de crescimento no Brasil foram excessivamente voltados para a formação de capital O ensino no Brasil não passa de uma grande farsa. Uns fingemque ensinam, outros fingemque aprendem, e tudo termina emdiploma. Um terço dos alunos das faculdades brasileiras é analfabeto funcional katgwood / shutterstock . com
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx