Revista da ESPM

ENTREVISTA | EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 20 físico, industrialização, urbaniza- ção, megaprojetos de investimento, incluindo estatais, deixando de lado o que é mais fundamental para o crescimento e a equidade, que é a formação do capital humano. Esse é o equívoco de décadas e décadas de uma distorção do que seja o de- senvolvimento. Eu escrevi todo um ensaio calcado em ideias do economista inglês Alfred Marshall, que dizia ser o mais valioso dos capitais aquele investido em seres humanos. Ele não fala sob uma ótica humanitária, mas numa ótica estritamente econômica. E não foi algo que o Brasil entendeu e muito menos praticou. Revista da ESPM — Em outro ar- tigo, A riqueza e a pobreza das na- ções , o senhor comenta sobre algu- mas teses do historiador econômico David Landes para chegar ao tema do “voluntarismo brasileiro” e nossas recorrentes tentativas de crescer 50 anos em cinco. Normalmente, incor- remos em grandes projetos que con- somem recursos imensos do Estado, sem avançar na questão de igualdade. Nosso movimento desenvolvimentista ignora o impacto no indivíduo? Giannetti — Quer ver um aspecto da desigualdade? O nosso laissez-faire [deixe estar] demográfico. O Bra- sil triplicou a sua população em 45 anos. No início da década de 1950, éramos pouco mais que 50 mi l hões. Em 1994, nós éramos mais de 150 milhões de habitantes. Triplicar nossa população em 45 anos é de uma gravidade enorme para a questão da desigualdade. Nós teríamos de fazer um esforço de investimento em educação e saúde para darmos um mínimo de formação básica para esse enorme contingente de brasileiros que nas- ceu em meio século. Nós não va- mos fazer isso. Nós privilegiamos a questão física e estamos pagando as consequências desta extrava- gância. Demorou desde o início do descobrimento, com centenas de milhares de habitantes, até 1950. Ou seja, quatro séculos e meio para passar de quase zero para 50 mi- lhões. Em 45 anos mais, passamos de 50 milhões para 150 milhões. As implicações disso para o capital humano e a desigualdade são sem tamanho, extraordinariamente importantes. Esse é um aspecto fundamental. Revista da ESPM — Agora chega o momento inverso: estamos enve- lhecendo com uma força de trabalho jovem e mal preparada, concorda? Giannetti — Agora que a popula- ção caminha para uma estabili- zação, vamos ter condições de, com o mesmo recurso, agrega r mais investimento per capita . Se for mantido o investimento total, como vamos ter menos crianças ent rando, você va i aumenta r o i nvest imento por cr iança . Me- lhorar a educação, a pedagogia, melhorar o processo de formação, eis a meta. Com nova perspectiva demográfica, há esperança. O jogo mudou. Vai ter cada vez menos crianças entrando na escola. O que fizemos na segunda metade do século 20 foi terrível para quem se preocupa com o capital humano e igualdade. Na época, qualquer discussão sobre planejamento fa- miliar era interditada. Revista da ESPM — Que fatores le- varam a esse baby boom à brasileira? Giannetti — Por uma combinação ideológica muito curiosa da Igreja Católica, da esquerda e dos milita- res. Planejamento familiar ia retar- dar a grande revolução, conforme a esquerda. Já os militares vinham com uma visão de geopolítica equi- vocada: população grande, país forte. Era preciso ocupar o territó- rio. Essa aliança ideológica entre militares, esquerda burra e Igreja produziu, em grande parte, isso que agora nos ofende e é obsceno em termos de igualdade. Revista da ESPM — Teremos elei- ções novamente e a chance de discutir propostas para o país. Qual a agenda prioritária que devemos seguir, segun- do a sua leitura? Giannetti — No curto prazo, pre- cisamos fazer uma reforma fiscal, inevitavelmente, e rever como o Estado brasileiro transfere recur- sos dentro da sociedade. Não me conformo que 40% da renda nacio- nal brasileira transita pelo setor A educação temde ensinar para a vida, em todos os aspectos. Não é só centralmente para a economia. Épara a vida pessoal. Para a pessoa se tornarmelhor para a existência