Revista da ESPM

ENTREVISTA | LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 70 pré-campanha eleitoral está a desvin- culação total das receitas orçamen- tárias. Isto, de alguma maneira, é factível? Fazer uma mudança consti- tucional que acabe com as vinculações orçamentárias como existem hoje? Mendonça de Barros — Não acredito. Isto é sonho de uma noite de verão, porque não se pode ter um orçamento sem alguma orientação de vínculo. Não existe isso. O que a Constituinte de 1988 fez foi transformar esse me- canismo de gastos vinculados num sistema incompatível como equilíbrio fiscal. O conjunto de gastos obrigató- rios émuitomaior do que a capacidade de arrecadação de impostos do gover- no. Então, num primeiro momento, o grande desafio é reduzir o volume de gastos do governo, para adequá-lo à ca- pacidade de arrecadação de impostos. Este me parece ser o primeiro grande desafio, e não adianta fixar posições radicais, como imposto único, porque não existe engenharia política capaz de construir consenso para isso, den- tro da sociedade brasileira, principal- mente nummomento em que ela está tãopolarizada. Revista da ESPM — Faz sentido pen- sar nessa ideia de se convocar uma nova Constituinte? A última política a propor isso, em 2013, no auge das manifesta- ções, foi a então presidente Dilma. Mendonça de Barros — Não. Uma Constituinte num momento tão inseguro, de radicalização, seria um suicídio para o país. Precisamos primeiro de um governo que reduza esta polarização, esta briga entre um lado e o outro, para que depois se construa um consenso e final- mente se chegue a uma reforma da Constituição. Antecipar isso é jogar o Brasil num precipício. Revista da ESPM — Seria possível imaginar, no próximo governo, alguma medida de impacto positivo, como foi o Plano Real em 1994? Isto seria viável ou estaríamos sonhando acordados? Mendonça de Barros — Na época do Plano Real, o país tinha um problema muito pontual e grave, que era a hipe- rinflação. Nós estamos vivendo agora uma série de dificuldades difusas. Revista da ESPM — Não há um ini- migo comum? Mendonça de Barros — Não temos mais um problema que mobilize a sociedade. Os pontos de mobili- zação da sociedade hoje são muito difusos e estão muito vinculados à questão social, a questões de classe. É uma situação complexa, muito mais parecida com a democratiza- ção depois da ditadura do que com o Plano Real, quando o problema a ser enfrentado estava muito claro para a sociedade. Tivemos sorte e mérito ao construir o Plano Real, o problema desapareceu e a sociedade viveu um período longo de resul- tados positivos. De 1996 a 2014, a economia cresceu [em média] 4% ao ano. O problema é que o governo da presidente Dilma não entendeu o ci- clo econômico que vivíamos, tomou medidas completamente equivoca- das e acabou gerando a recessão na qual vivemos até hoje. Revista da ESPM — Pensando pro- vocativamente, a questão fiscal, nos últimos tempos, tem parecido persis- tentemente intratável, assim como em algum momento a inflação no Brasil parecia um problema intratá- vel. É possível conceber um plano que mude radicalmente a situação fiscal, como o Plano Real fez especificamen- te com a inflação, ou não são coisas comparáveis? Mendonça de Barros — A inflação era um problema que atingia a todo mundo. O problema fiscal é difuso. Quando o problema da inflação foi resolvido, melhorou a vida de todo mundo. No caso do problema fiscal, para melhorar a vida de [quase] todo mundo, vai ser preciso piorar a vida de segmentos importantes da sociedade, como funcionários públicos e empresas acostumadas a subsídios fiscais. É uma engenha- ria política muito mais complexa do que foi a do Plano Real. Revista da ESPM — Tive oportuni- dades de entrevistá-lo algumas vezes e nunca o percebi tão pessimista quanto o senhor parece estar hoje. Ou será uma impressão equivocada minha? Mendonça de Barros — Não, é ver- dade. Estou muito desanimado, por- que jogamos fora uma construção de Há condições de repor a economia em crescimento, mas, para isso, é fundamental que as expectativas dos agentes econômicos estejam alinhadas e aí é que aparece a grande dificuldade

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