Revista da ESPM
PANORAMA REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 96 coletivo, que até pode ser acolhedor, simpático. E que é sempre popular. A questão que permanece é: por que o brasileiro não sentiu falta da sátira política por tantos anos? Afinal, é esse mesmo brasileiro que paga o salário do político e arca com todas as suas decisões. Ou desatinos, para usar palavra educada. Por que tanta indiferença com quem decide, se essa indiferença custa tão caro? Entre a desconexão e o “maio dos caminhoneiros” Compreendermelhor tamanha desconexão entre Estado e sociedade no Brasil talvez seja o nosso maior desafio. Resolver essa distância demolidora entre quem (e como) vota na urna e quem (e como) decide no poder está na raiz de recuperarmos nossa capacidade de vivermos em sociedade civilizada. Não é preciso repetir números e exemplos trágicos da educação, da saúde, do trânsito, dasmortes violentas e damá distribuição de renda para sabermos o que essa expressão — sociedade civilizada — quer dizer. O fio dessa meada está na percepção de todos nós de que a função do político é exatamente identificar desafios. Sem escondê-los da sociedade. Tarefa com- plicada, que não tem acontecido. Daí a perigosa desco- nexão entre sociedade e Estado que aparece tanto na dispensa do riso dos políticos quanto na constatação de 30/5/2018, do DataFolha , de que 87% dos brasileiros estavam favoráveis a uma greve — a dos caminhoneiros — que os deixavam sem gasolina e ameaçava inclusive o almoço do dia seguinte. Para entender bem tanta desconexão é preciso ter isto bem claro: o sujeito que pede votos não vende só a capa- cidade de infundir esperança. O seumaior apelo está em convencer o eleitor de que ele—que tomará as decisões no poder—sabeomelhorcaminhoparavencerosdesafiosque todospercebem.Porquemostracomovencerdesafioséque opolítico gera esperança. Eganha votos. Não o contrário. Portanto, ter clareza dos desafios é o passo essencial de qualquer eleição. Vender esperança gratuita é só ten- tar ofender a inteligência alheia. O grave é que no arco ideológico brasileiro, tanto faz se a esquerda ou a direita, ou até mesmo o centro mais tradicional, o que menos se fala é de desafios essenciais. É exatamente por esta razão que sequer rimos dos políticos e apoiamos greve que ameaça até a subsistência. Qual é o principal desafio do futuro presidente? O curioso é que os maiores desafios de quem quer ser governo a partir de outubro não são ideológicos emuito menos partidários. Isso se ajeita no Brasil, como a his- tória prova. Estes desafios são legais ou, melhor dito, orçamentários. Tais desafios já viraram leis e farão parte do dia a dia do governo, seja qual for o candidato eleito. E sobre os desafios obrigatórios no cotidiano do poder nenhum dos candidatos fala. Este é o ponto pre- ocupante. Ou assustador. Seja quem for o eleito em outubro, nos primeiros meses de governo terá alguns limites legais e cons- titucionais a cumprir que serão definidores do seu mandato. Esses limites querem dizer escolhas. Tais escolhas estão muito bem escondidas da sociedade. Delas não se fala. O conjunto dessas “dificuldades”, como qualquer eco- nomista sério — ortodoxo ou heterodoxo — reconhece, diz respeito ao Orçamento da República. Isto é, desde o primeiro dia de governo, o novo presidente enfrentará três grandes amarras ligadas à disciplina fiscal que o tornarão especialmente dependente das decisões da Câmara e do Senado. Estas amarras são as seguintes: Teto de gastos AEmenda Constitucional 95 determina que as despesas do governo não podem exceder o gasto do ano anterior corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano precedente. Isto é, o governo não pode se endi- vidar, gastar o que não arrecadará. Com punição grave se romper o teto. Parece maravilha, mas é complicado, porque o orça- mento do governo está todo “engessado”. Por exemplo: aumentos salariais do funcionalismo ou contratações terão de ser compensados por economias nos gastos de Ogoverno está proibido de gastarmais do que arrecada, mas oCongresso impõe gastos para atender a interesses de grupos, nemsempre “republicanos”
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