Revista da ESPM

PANORAMA REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2018 98 salários. Ou seja, o governo não pode “mexer” nesses gastos por decisão constitucional. Portanto, o governo pode manobrar commenos de 12% do orçamento, com grandes limites, porque nesse item manobrável está, por exemplo, até a conta de luz dos ministérios e a do Palácio do Planalto. Como alterar esse quadro? O desafio está em saber como construir outras escolhas para o uso dos recursos reunidos pelos impostos pagos pelos brasileiros. E, como visto, o poder de decisão sobre estas outras escolhas está decididamente na mão do Congresso. Portanto, o maior desafio será pensar emoutro formato para nossas escolhas políticas. Em outras palavras, desafio mesmo será pensar e executar uma reforma do sistema político. Mas será que a próxima eleição é bom cenário para dis- cutir o desafio de uma reforma política? Qual a dose de renovação no Congresso? Nesse assunto, a primeira obrigação é perceber que renovação empolítica não quer dizer só “trocar nomes”. Os escândalos acumulados nas últimas décadas escan- caram seguidos vínculos entre o financiamento pri- vado das campanhas e casos de corrupção. O quadro agravou-se e o STF proibiu o financiamento privado de campanhas políticas. Como eleição custa caro, a solu- ção encontrada foi o financiamento público da preten- são de ser deputado, senador, governador, presidente. Várias democracias no mundo adotam este sistema. Aqui, o maior problema estava na “divisão do bolo”. As eleições de 2014, por exemplo, custaram R$ 7 bilhões, quase R$ 6 bilhões deles vindo de doações de empresas. Para a eleição deste ano, o Congresso votou a criação de um fundo eleitoral público de R$ 1,7 bilhão. A ser divi- dido por regra bem definida: cada partido, só por exis- tir, fica com 2% do valor do fundo. Dos 98% que sobram, 49% são divididos proporcionalmente à quantidade de votos nas últimas eleições, 34% segundo o número de deputados de cada partido e 15% segundo a bancada de cada partido no Senado. O observador, algo sarcástico, dessa divisão do bolo de dinheiro público para campanhas vai lembrar da brincadeira infantil “como está fica...”. E não estará muito enganado... Mas ainda há algo um pouco mais grave nesse que- sito da renovação política via financiamento público, como definida pelo atual Congresso. Em 12 de setem- bro de 2017, o Congresso aprovou que os partidos terão “plena autonomia” para dividir internamente o fundo eleitoral que receberem. Como mostrou a edição de 13/9/2017 do jornal Valor Econômico , as cúpulas parti- dárias terão todo o poder para decidir quem fica com que parte deste fundo. Em outras palavras, as cúpulas em cada partido decidirão, na prática, quem será eleito pelo volume de verba destinada a cada candidato. Se for mais amigo da cúpula, mais recurso e mais chance de vitória. Se for menos amigo, menos chance. Não é por outromotivoque amaioria dos analistas políticos estima que a renovação da Câmara e do Senado será uma das mais baixas desde a Constituinte de 1988. Os primeiros beneficiados serão os parentes dos atuais políticos com poder interno nos partidos. Aliás, como mostrou o site Congresso em Foco , 62% dos depu- tados e 73% dos senadores têm familiares na política. Todos observamos como prosperampoliticamente bem rápido os “herdeiros” dos donos dos redutos eleitorais por todo o país. Opróximo presidente, portanto, terá o desafio de pen- sar e propor uma reforma política para umCongressoque serámuito parecido como atual. Comdeputados e sena- dores bempouco “renovados”, o novo presidente terá de conviver com cortes orçamentários como os definidos pelo teto de gastos, pela “regra de ouro” e pelo controle no aumento do salário mínimo. Omaior desafio será fazer a reforma política com toda essa exigência de disciplina fiscal e umCongresso tão parecido com o de hoje. Mas, e o barulho do apito? O problema maior, no entanto, está no apito da panela de pressão. Ele está forte demais, como demonstra o não riso dos políticos ou o apoio — 87%! — da assustadora greve dos caminhoneiros. Sem dúvida, a força desse apito exige atenção. Emmaio, o professor Samuel Pessôa escreveu o artigo Depressão brasileira: causas passadas ou presentes? , Resolver adistância entre quemvota naurna e quemdecide nopoder estána raiz de recuperarmos nossa capacidade de vivermos emsociedade civilizada

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