Revista da ESPM - OUT-NOV-DEZ_2018
ENTREVISTA | ALEXANDRE KALACHE REVISTA DA ESPM | OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRODE 2018 38 Rev ista da ESPM — De acordo com a ONU, em 2050 o mundo terá 2 bilhões de idosos, sendo que mais de 80% deles estarão vivendo em países como o Brasil. Como o senhor, que há mais de 40 anos estuda o en- velhecimento populacional, encara esta questão? Alexandre Kalache — O que me preocupa é o fato de est a rmos envelhecendo rapidamente e nos- sos políticos não estão focados nesse que é o aspecto demográfi- co mais importante deste século em termos globais. O fato é que o mundo poderia chegar a 2 bilhões de idosos se tivéssemos mantido as mesmas taxas de fecundidade de 40 anos atrás. O que aumenta a velocidade do envelhecimento populacional não é o fato de ter- mos mais idosos, mas a queda na taxa de fecundidade, que reduz o número de crianças, adolescen- tes, jovens e, consequentemen- te, nossa força de traba lho. Em menos de duas décadas, o Brasil passará de 10% da população com mais de 60 anos (em 2011) para 20% em 2030. A França levou 145 anos para ter 20% de idosos em sua população e, ao longo desse período, o país foi um dos mais ri- cos e poderosos do mundo. Já nós iremos dobrar o número de idosos em um contexto de pobreza e de imensas desigua ldades sociais, sem ter a casa em ordem. O Bra- sil está envelhecendo de forma extraordinariamente rápida, por meio de uma combinação tóxica: enorme desigualdade social; cri- se econômica; sistema de saúde esfacelado; e falta de atenção da classe política ao envelhecimento da população. Esta é a verdadeira revolução da longevidade! Revista da ESPM — Considerando que, em três décadas, 31% dos bra- sileiros terão mais de 60 anos, que tipo de impacto essa inversão na pirâmide etária deverá ocasionar na economia nacional? Ka l ache — Os dados most ram que amanhã seremos um grande Japão! Já passou da hora de come- çar a pensar no envelhecimento da população e em políticas pú- blicas que envolvam o primeiro, o segundo e o terceiro setores da economia. Caso contrário, a con- ta vai ser alta! E quem irá arcar com esse preju ízo são aqueles que hoje têm 30 anos e serão os idosos de amanhã. Aqui cabe um mantra que sempre repito em mi- nhas palestras: quanto mais cedo, melhor, e nunca é tarde demais para pensar na questão do enve- lhecimento. Veja o caso de Hong Kong, que viu sua riqueza aumen- ta r dez vezes em 50 anos, mas hoje 33% de seus idosos v ivem abaixo da linha da pobreza. Isso é uma injustiça, pois um terço da geração que fez o país crescer e enriquecer atua lmente está de- samparada. Enquanto os idosos pobres empurram carrinhos com papel e plástico para reciclagem pelas ruas de Hong Kong, seus fi- lhos ingratos esbanjam dinheiro comprando produtos da ma rca Christian Dior. Alguma coisa não deu certo por lá. E o erro não está no acúmulo da riqueza, e sim na distribuição mínima dessa renda entre a população. Revista da ESPM — Em 2012, o senhor fundou o Centro Interna- cional da Longevidade Brasil, por meio da Aliança Global de ILC (International Longevity Centre) e passou a viajar pelo mundo propa- gando a ideia de cidades amigas do idoso. Com base nessa vivência internacional, hoje, quais os países que estão “envelhecendo com saúde e relativo bem-estar”? Kalache — A Espanha tem feito um excelente trabalho e já apre- senta a mais alta expectativa de vida da Europa (83 anos), mesmo não sendo tão rica quanto os paí- ses escandinavos, a Alemanha, a Suíça ou a Inglaterra. A previsão é de que, nos próx imos c i nco anos, os espanhóis registrem a mais alta expectativa de vida do mundo. Isso porque, apesa r de haver desigualdade, a sociedade espanhola conseguiu distribuir melhor a sua riqueza. De maneira geral, as pessoas saíram da pobre- za aguda que existia naquele país há 50 anos para uma vida mais Aprevisão é de que, nos próximos cinco anos, a Espanha registre amais alta expectativa de vida domundo. Isso porque a sociedade espanhola conseguiu distribuirmelhor a sua riqueza
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx