Revista de Jornalismo ESPM

10 JANEIRO | JUNHO 2020 Os quatro “Ps” da compreensão errônea – propaganda, pegadinhas, proveito próprio e preconceito – são poderosos inimigos da comunicação baseada em evidências E o “cidadão informado” virou o padrão desde então. Ainda assim, gentemunidade informações idênti- cas, suficientemente corretas, chega a conclusõesmuito diferentes sobre que candidatos eleger e o que espe- rar de governos. Não é a informa- ção que determina como as pessoas julgam a moralidade do aborto ou o papel do Estado na saúde. Não é a informação que determina se os Estados Unidos são, por herança e por destino, uma nação “branca” e se quemnão é branco é, por conse- guinte, intruso. As pessoas sabem que Donald Trump se gabou de ter avançado o sinal commuitasmulhe- res, sem o consentimento das mes- mas, e optampor aceitar ou não que isso foi apenas “conversa de vestiá- rio” (ou seja, mentir para afirmar a própriamasculinidade e impressio- nar a homarada). Ou, para colocar a coisa em um contexto mais amplo, optam por considerar ou não uma falha de caráter relevante o fato de queTrumpnunca admite que errou, que mentiu ou que agiu mal em alguma circunstância. Isso, contudo, não é uma questão de informação. Ser “beminformado” não émais o grande traçodefinidor domodelode cidadão nos Estados Unidos. Desde a época do movimento dos direi- tos civis, defender aquilo em que se acredita assumiu umpapel mais central como característica defini- dora. E a associação entre cidadania e participação eleitoral não é mais tão forte como antes. Pertencer a umgrupo na comunidade, marchar nas ruas, fazer abaixo-assinados ou se manifestar por algo em que se acredita não só em relação a elei- ções, mas naquilo que é chamado de “democracia entre eleições”. Fazer com que nossa voz seja ouvida de maneira organizada por meio de lobbies, grupos de pressão, asso- ciações voluntárias ou ações judi- ciais são atos de cidadania poten- cialmente importantes. Nascem da paixão. Nascem da indignação. Nascem da relação solidária com o próximo. E têm pouco a ver com informação. Dizemque quando a pessoa quer acreditar emumamentira, é impos- sível convencê-la do contrário. Não iria tão longe. Como professor, tento dar o exemplo. Tento usar infor- mações e argumentos para fazer o aluno pensar – e repensar – por si mesmo. Quando escrevopara outros acadêmicos ou para o público, tento comunicar o que julgo serem ver- dades sobre o mundo, de ontem e de hoje, de um modo que possa ser relevante para juízos políticos. Mas reconheço que esses atos têm efeito reduzido nomundo demodo mais geral e que provavelmente só ganharão força em circunstâncias extraordinárias. São circunstân- cias que, na atual era da cidadania do ativismo, podem surgir a qual- quer momento. Vejo indícios do surgimento de uma nova cidadania, que podería- mos chamar de cidadania empática – uma cidadania disposta a saber de vizinhos que mal conhecemos, de comunidades entre nós comoutras experiências, outras perspectivas, outros medos, outras tristezas. Talvez, o melhor exemplo disso seja a crescente aceitação de pes- soas LGBTQ como seres huma- nos e cidadãos com direitos iguais e capazes de declarar sua sexuali- dade tanto na hora de ocupar um cargo público como no serviçomili- tar. Foi, por acaso, uma questão de informação? De certomodo, sim. O valente ato de “sair do armário” é tremendamente educativo, sobre- tudo quando se descobre que o pai, ou o filho, o professor, o colega ou amigos tão queridos saíram. Sim, há pais que deixam a religião ou outra convicçãoprofundamente arraigada separá-los dos próprios filhos, mas um número maior aceita os filhos como são, por aquilo que são – e, com isso, talvez tenham ficadomais dispostos a aceitar outras diferen- ças entre nós, humanos. Por outro lado, experiências, perspectivas e anseiosde cidadãos raramente retra- tados na grande mídia – a popu- lação rural, a classe trabalhadora, gente estagnada economicamente – começam a atrair, tardiamente, a atenção de políticos e da imprensa. Uma cidadania empática que possa acolher essas duas expansões da nossa visão poderia, um dia, ser a origemde umnovomodelo de par- ticipação cívica. ■ michael schudson é professor de jornalismo e sociologia (docente- associado) na Columbia University. Publicou, entre outros livros, The Rise of the Right to Know (A Escalada do Direito ao Conhecimento) e, com C.W. Anderson e Leonard Downie Jr., The News Media: What Everyone Needs to Know (A Imprensa: O Que Todos Precisam Saber).

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