Revista de Jornalismo ESPM
14 JANEIRO | JUNHO 2020 equanimidade, observação dedi- cada – é páreo para a artilharia de absurdos montada contra ele. Mais de um ano depois daquele experimento, na era dos trolls de Trump e Facebook e do discurso polarizado, a impressãoquedá é ade que a desinformação está vencendo. Até bem pouco, nós do meio jor- nalístico tínhamos um superpoder que garantia nossa força. Era, no sentido mais grandiloquente da palavra, a verdade. Fatos, acredi- távamos nós, nos ajudariama impor freios aos poderosos, a levar jus- tiça aos marginalizados. A verdade pesava; fatos falavam por si e não podiam ser ignorados. Mas aí veio a internet, vieram as redes sociais e uma enxurrada de informação – factual e mirabo- lante. Nesse ambiente, o jornalismo não só temdificuldade para se des- tacar emmeio ao lixo, mas também acaba asfixiado por tudo o que flu- tua a seu redor. Emily Bell, em seu texto sobre as limitações de iniciati- vas de checagemde fatos, diz que o adventodo botão “compartilhar” do Facebook, criado em2006, ajudou a produzir uma avalanche de desin- formação. “O número de afirma- ções infundadas disparou”, escreve Bell. A situação teria piorado depois de 2012, quando o “compartilhar” chegou ao celular. “Quando a dis- puta à presidência americana de 2016 teve início, campanhas con- certadas de propaganda ideológica, propaganda política legítima e até fábricas de trolls com fins lucrati- vos abriam caminho por um ecos- sistema social cada vezmais opaco emovido por algoritmos”, arrema- tou Bell. Namedida emque o ecossistema da informação foi ficando cada vez mais tóxico, os fatos perderam seu poder desinfetante. Pior, o que até então fora seu poder de limpeza – sua capacidade de neutralizar infor- mações erradas – se voltou contra eles, como um patógeno desgover- nado em um filme de ficção cien- tífica. Whitney Phillips, especia- lista em comunicação on-line na SyracuseUniversity, mostrou como declarações verazes são usadas para expandir o alcance de inverdades em um artigo para este número: “Em um contrassenso, chamar a atenção para o que é falso pode até piorar as coisas, ao disseminar fal- sidades para mais gente, fazendo com que as mesmas pareçam mais plausíveis para certos públicos e, de modo geral, tornando a notícia mais forte depois de desmentida do que era antes”. Segundo ela, todo jornalista – todo mundo, aliás – “deve rever suas ideias mais básicas sobre como a informação falsa e enga- nosa se espalha e sobre o papel que todos desempenhamos em sua dis- seminação”. Milhões de america- nos, por exemplo, estão constante e ferrenhamente dispostos a acre- ditar no que é claramente falso e a descrer do que é obviamente ver- dadeiro. O fato de que o New York Times , por exemplo, é comprovada- mente não “fake” faz zero diferença para quem quer acreditar no con- trário. Pior até: quanto mais inci- siva for a cobertura de veículos de imprensa como o NewYork Times – ou o Washington Post , ou a ProPu- blica –, quanto mais acerba for sua crítica de gente poderosa, menor a probabilidade de que certos leito- res acreditem no que dizem e mais vulneráveis ficam todos a agentes da manipulação. Évisível a frustraçãoda imprensa na batalha travada nessemomento. O jornalismo está mais editoria- lizado e mais partidário. O New YorkTimes , depois de muito repe- tir que Trump dizia inverdades, finalmente passou, em2016, a dizer que erammentiras (“lies”) e, mais tarde, a chamar o presidente de mentiroso (“liar”). Na CNN e na MSNBC, a abertura dos grandes telejornais da casa virou espaço para diatribes, de tão furiosos que estão apresentadores como Rachel Para que haja alguma esperança de transcendermos o manto sombrio da desinformação, devemos, todos nós, assumir a responsabilidade de entender a narrativa maior
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