Revista de Jornalismo ESPM
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 15 Maddow, Lawrence O’Donnell e Don Lemon com o efeito nulo que a cobertura que veio antes produz sobre os eventos. Todos nós cana- lizamos parte da nossa fúria para plataformas sociais que exerce- ram um papel central na dissemi- nação de informações falsas, gri- tando contra a revoltante recusa do Facebook de gastar um naco de seus bilhões para enfrentar o pro- blema ou contra o Twitter por dar voz aos piores propagadores do ódio nas redes. O resultado, nos noticiários de TV, em jornais diá- rios e em feeds do Twitter, é um grito que faz o sangue subir e a veia saltar. Posso entender o impulso. Senti o mesmo no tempo que passei na banca de jornal da CJR vendo nova-iorquinos, meus vizinhos, dar de ombros para notícias fal- sas. É o que sinto toda vez que vejo Trump, em um comício, desacre- ditando fatos e quem os conta, ou a Fox News, que finge descarada- mente viver no mundo dos fatos quando está perpetuamente cha- furdando em tudo, menos fatos. Jornalistas estão desmoralizados e exasperados. Eu poderia, é claro, ter soltado um grito ali mesmo, na rua 42, ou sacudido aqueles tran- seuntes pelo ombro para ver se despertava sua atenção. Mas nossos sermões não estão surtindo efeito. Alguns meios podem até receber um empurrão financeiro graças ao aumento no número de assinantes, mas não estão resolvendo o problema da desinformação. Para isso, precisa- mos fazer algo mais fundamental. Precisamos, por ora, guardar nosso caderninho e repensar como nar- ramos histórias. Ninguémque eu conheça entrou no jornalismo porque queria ser uma enciclopédia humana, cus- pindo fatos. Entrou porque que- ria contar histórias sobre coisas importantes – e gostaria que essas histórias pudessemmudar omodo como vivemos. Fatos podem ser parte importante desse esforço, mas estão a serviço de algo mais profundo. Sabemos que fatos, por si só, não são a essência do que faze- mos. Para que haja alguma espe- rança de transcendermos o manto sombrio da desinformação, deve- mos, todos nós, assumir a respon- sabilidade de entender a narra- tiva maior. Depender só de fatos não é justo com os fatos. Como jornalistas, precisamos conside- rar o ecossistema que nossas his- tórias habitam, reconhecer falsi- dades que cercam nossos fatos, atentar para vieses que poluem nossa cobertura e estar cientes da bagagem que nós mesmos tra- zemos para o relato. Precisamos, também, considerar que papel podemos desempenhar para melhorar o ecossistema. Em seu artigo para esta edição, Ethan Zuckerman, diretor do Center for Civic Media do MIT, mostra que cara teria uma internet melhor, que sirva ao interesse público em geral e ao do jornalismo emparticular. “A tecnologia devia atuar a serviço da humanidade, não como uma ame- aça existencial a sua sobrevivência”, assegura o profissional. Segundo ele, o engajamento hoje é medido por critérios comerciais – tempo e cliques em um site –, o que sig- nifica que uma empresa, ao pos- tar um conteúdo, “tem um desin- centivo para apresentar informa- ções difíceis ou incômodas ao usu- ário”. As pessoas compartilham o que gostam, não o que precisam ouvir, muito menos o que vai con- tra suas ideias. Zuckerman se per- gunta: “É possível imaginar uma rede social diferente? Uma rede projetada para incentivar a circu- lação de compreensão mútua, em vez de desinformação?”. Estamos avançandonesse debate sem saber bem o que está sendo debatido. É algo que se manifesta na discussão hoje suscitada sempre que a CNN põe no ar um comen- tário absurdo proferido por algum sequaz de Trump como Kellyanne Conway, cujo currículo de desin- formação é longo e documentado. E é algo que agora faz gerar uma dis- cussão sobre se o próprio Trump, com toda sua bagagemde desinfor- mação, deveria ter espaço garan- tido em transmissões televisivas ao vivo ou para milhões de seguido- res no Twitter. Plataformas sociais, que por desígnio incentivam as pessoas a compartilhar, viraram ummeio de contágio. Mas não pre- cisa ser assim. Enfrentar esse problema é exigir muito do modelo de negócios do jornalismo, hoje emcrise financeira. Mais contexto, mais conexão emais tempo significa mais gente, mais experiência, mais dinheiro. Mas talvezmenos conteúdo emais pro- fundidade seja o caminho a seguir. É algo que estamos provando na CJR. Não há escolha a não ser pro- var. Estamos perigosamente próxi- mos de uma situação na qual fatos já não funcionam como um “antí- doto jornalístico”. E o quê, então? ■ kyle pope é editor-chefe e publisher da Columbia Journalism Review . Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (fall 2019), disponível emwww.cjr.org
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