Revista de Jornalismo ESPM
16 JANEIRO | JUNHO 2020 por emily bell se as eleições para a presidência dos estados unidos em 2016 reve- laramalgomais surpreendente para a grande imprensa americana do que a popularidade de Donald Trump, foi o disfuncional que era seu ambiente editorial. De uma hora para outra, ficou patente que asmídias sociais esta- vam infestadas de propaganda ideológica, falsidades e propaganda política – que havia uma crise de desinformação em uma esfera pública de pro- priedade privada. A resposta de governos e plataformas digitais, nãomuito tempo depois, foi apostar no poder do fact-checking , ou checagemde fatos. Enquantomuitos setoresdo jornalismoencolhiam, a checagemde fatos cres- cia. Segundo censo de 2019 do Reporter’s Lab da americana Duke Univer- sity, cinco anos atrás havia 44 organizações de fact-checking ; hoje, são 195. Para Angie Drobnic Holan, editora da PolitiFact, há duas explicações: “Pri- meiro, a internet tornou [a atividade] viável dopontode vista temporal”, diz. “E, segundo, a crescente sofisticação de mensagens políticas fez disso uma necessidade”, complementa. Achecagemque essas organizações fazemnão é a conferênciaprévia àpublicação realizadapormeios comverba farta,mas umprocesso independentedeverificação, desmentidoecorreçãode inverda- des que já forampublicadas – e espalhadas internet afora. Anova era da che- cagemde fatos pode, portanto, ser interpretada como o jornalismo se adap- tando às necessidades do meio digital. Mas pode, também, ser vista como a dissolução do papel tradicional do jornalismo e a reconstrução do seu fluxo de trabalho para se adequar às prioridades e à ideologia de empresas de tec- nologia que hoje pagam o salário de verificadores. Fatos importam? A indústria de checagem de notícias: nosso investimento para desmascarar as fake news está funcionando? No início do boom do fact-che- cking , umpunhadode veículos inde- pendentes fez da prática uma disci- plina centrada no digital. Entre as pioneiras estava a Snopes.com, de 1994, cujo foco eram lendas urba- nas e bizarrices; a Spinsanity ( já extinta); e, em2003, aFactCheck.org, mais seriamente política. Todas tira- rampartido da internet para publi- car refutações e correções de forma instantânea; a FactCheck.org, em particular, buscou ir além do con- fronto de versões da velha cober- tura de campanhas eleitorais. Tanto a FactCheck.org como a PolitiFact – que surgiu na redação do St. Peters- burgTimes (hoje TampaBayTimes ), em2007 – foramcriadas por jorna- listas decididos a abandonar o jor- nalismo político estenográfico e, em vez disso, avaliar políticos com imparcialidade. Holan, daPolitiFact, lembra de ter lido os primeiros e-mails que suge- riam que Barack Obama não havia nascido nos Estados Unidos. “Hoje, me pergunto se aquilo foi uma cam- panha de influência estrangeira”, diz. “Lembro de ter pensado: ‘quem tem tempo para fazer isso?’. Bom, hoje sabemos exatamente que tipo de operação produz essas coisas.” Foi só mais tarde, quando o Face- book criou o botão “compartilhar”, que a viralidade em redes sociais tornou-se possível e que o número de afirmações infundadas dispa- rou. O botão “compartilhar” surgiu em 2006 e foi incluído em aplica- tivos de celular em 2012. Quando a disputa à presidência americana de 2016 teve início, campanhas con- certadas de propaganda ideológica,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1