Revista de Jornalismo ESPM
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 21 Information ). De uma perspectiva ecológica, o termo “poluição infor- macional” cunhado porWardle faz todo sentido. Partindo da definição que ela dá, usamos a fórmula inver- tida – “informação poluída” – para dar ênfase ao estado de poluíção e apontar relações entre toxicidade on-line e off-line. Dentre essas rela- ções, uma das mais relevantes é a pouca importância demotivos para resultados. Dentro e fora domundo digital, a poluição se alastra e tem consequências mais adiante, inde- pendentemente de ter sido lançada no ambiente intencionalmente, por descuido ou pela sincera tentativa de ajudar. O impacto de poluido- res on-line em escala industrial – fanáticos, agressores e agentes do caos, juntamente com plataformas sociais que viabilizam sua ação – não deve ser minimizado. Mas sus- peitos menos óbvios podem causar tanto estrago quanto. E a verdade é um deles. Para entender o pouco confiável que a verdade pode ser como aliada no combate à informação poluída, começamos, naturalmente, pelo diabo. As teorias conspiratórias mais famosas da direita reacionária [nos Estados Unidos] estão eivadas de alusões a satã e ao satanismo. Há a teoria do “Deep State”, segundo a qual um Estado paralelo pérfido, ocultista e abusador de criançinhas estaria tentando destruir de den- tro o governo de Donald Trump. A “QAnon” narra a luta deTrumppara combater o Deep State. Já a céle- bre “Pizzagate” prega que Hillary Clinton chefiava uma rede satâ- nica de abuso infantil dos fundos de uma pizzaria na capital americana, Washington; o bilionário Jeffrey Epstein, este sim legalmente acu- sado demanter uma rede de tráfico sexual que incluía menores (antes de cometer suicídio emuma prisão americana), foi facilmente incorpo- rado a essa narrativa. Teorias da conspiração satânicas vãomuito alémdos rincões escuros da internet, é claro. Remontam ao século 11, bebendo na fonte de um mito de subversão que adverte para uminimigo internoperverso–nebu- losamente descrito como “eles” – decididoadestruiro“nós”, umgrupo que quase sempre alude a cristãos brancos. Ao longo dos séculos, essas teorias conspiratórias – em geral claramente antissemitas – ressurgi- ram regularmente, como nos Pâni- cos Satânicos das décadas de 1980 e 1990. E, durante todo esse tempo, resistiramteimosamente a desmen- tidos. A luz dos fatos, quando lan- çada sobre ummito desses, se con- verte emprova para os crentes. Afi- nal, tentar refutar a existência de uma trama satânica é exatamente o que um satanista faria. A psicologia social ajuda a expli- car por que fatos ajudam tão pouco na hora de erradicar crendices. Em uma análise de 2012, uma equipe encabeçada pelo psicólogo Ste- phan Lewandowsky sustentou que, quando alguém recebe uma infor- mação nova, o cérebro está focado menos emumempirismo granular e mais emaplicar uma espéciede teste de coerência. Informações que cor- roboram um conhecimento prévio – ou seja, que condizemcomaquilo em que a pessoa já crê – tendem a ser aceitas como verdadeiras. Uma pessoa, por exemplo, provavelmente vai aceitar a afirmação de que não há qualquer evidência que ateste a prática de rituais satânicos por altas figuras do partidoDemocrata ame- ricano somente se essa informação estiver alinhada comaquilo que ela já crê sobre o diabo, sobre o sata- nismo e sobre os democratas. Na contramão, uma pessoa que já acredita emconspirações satânicas ILUSTRAÇÃO: JAKIE FERRENTINO
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