Revista de Jornalismo ESPM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 23 depúblicosmenores, às vezes confli- tantes. Outra consequência é a lei de Poe, umaxioma da internet que data de 2005, quandoummembro de um fórum criacionista de nome Nathan Poe observou como é difícil saber se alguém está sendo sério ou irônico na ausência de pistas contextuais da comunicação em pessoa. A lei de Poe e o colapso de con- textos significamque pouco se sabe sobre umpúblico no digital – o que tornadifícil determinarque informa- çãoexige verificaçãopara começode conversa. Quem posta está falando sério? Está fazendo uma brinca- deira boba? Está buscando anga- riar seguidores? Está tentando enga- nar jornalistas? Umpouco de cada? Ou outra coisa qualquer? Em uma situação ideal, respostas diferentes desencadeariamreações distintas da imprensa,mas issoexigiriaqueo jor- nalista soubesse comexatidão o sig- nificado de uma mensagem – para não dizer de uma torrente de men- sagens que poderiam ter uma cen- tena de propósitos aomesmo tempo, dependendo de quemestá postando e de quem está visualizando. Sem saber exatamente o que merece ser verificado, o jorna- lista também é incapaz de prever o impacto que o fact-checking terá em cada público. Um desmentido pode deflagar simultaneamente o efeito bumerangue, incentivar fal- sidades ainda piores, ser absoluta- mente inútil e ser útil – dependendo do público que recebe o esclareci- mento e de que modo. O resultado é que manipuladores da mídia se deleitamcomdesmentidos feitospor profissionais da grande imprensa, pois não só garantem a exposição em grande escala de factoides, mas criam muita confusão sobre quem acredita emquê, quanta gente acre- dita e quão sérios são aqueles que creem. Essa tensão esteve emplena mostra no ano passado, quando, segundo o Washington Post , um popular YouTuber do QAnon des- fiou todo prosa uma lista de veícu- los de imprensa que cobriam(edevi- damente desmentiam) a história do QAnon. “Fazia tempo que não ficava tão feliz. CNN, NBCNews,MSNBC, PBS NewsHour, Washington Post (...) esses são os novos repórteres do QAnon!” Depois de uma pausa, o indivíduo caiu na gargalhada. Jornalistasbuscamdesmentirnar- rativas poluídas como a do QAnon porque achamque lançar luz sobre uma falsidade irá desinfetá-la. Isso funciona com certos públicos. Já para outros, essa luz não desinfeta – mas, sim, ilumina a poluição, que acaba sendo vista por mais gente e, no processo, arrisca catalisar ondas de poluição ainda piores. Assim como botar mais dinheiro emumnegócio ruimdificilmente irá impedi-lo de afundar, apor informa- ções boas a informações poluídas dificilmente vai mitigar sua toxici- dade. Quando jornalistas dão pro- tagonismo em seu relato a após- tolos da desinformação e não ao efeito produzido por suas menti- Vilões Donald Trump Distribuidor contumaz de factoides, Trump engrupe muitos no Twitter (onde tem 65 milhões de seguidores) ao amplificar teorias da conspiração alheias e difundir suas próprias. Um exemplo, de 16 de julho de 2018: “Nossa relação com a Rússia está pior do que NUNCA graças a anos e anos de tolice e estupidez dos EUA e, agora, a essa Sórdida Caça às Bruxas!” — uma alusão à investigação do procurador especial Robert Mueller da qual foi alvo. ILUSTRAÇÃO: STEVE BRODNER

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