Revista de Jornalismo ESPM
24 JANEIRO | JUNHO 2020 ras, quando fechamo foco em lixões isolados de informação tóxica e não emcondições sociotecnológicas que permitem o acúmulo da poluição, quando se arrogamuma visão obje- tiva do nada em vez de considerar os efeitos de sua própria amplifica- ção, estão arriscando – assim como qualquer cidadão emredes sociais – causar tanto dano quanto gente que busca intencionalmente entulhar o ambiente de lixo. Uma abordagemecológica à infor- mação poluída evita esses proble- mas. Casos isolados, atoresmalignos e tecnologias fazem parte da con- versa, mas não são a questão mais importante. A parte mais relevante é como nossos sistemas, nossos atos e nossas instituições se entrelaçam de modo a criar escoadouros per- feitos para que a poluição flua livre- mente. Se não pudermos identificar o real problema, qualquer solução adotada será ineficaz. O apelo, em suma, não é para “não dar a notícia”. É para ampliar o campo de visão de modo a contar verdades maiores. Quando pedi a especialistas em manipulação da mídia que me dis- sessemqual suamaior preocupação naquestãodadisseminaçãode infor- mações poluídas, uma resposta foi a tendência no jornalismo (bemcomo no setorde tecnologia) a reagir apro- blemas como se fossemalgo isolado, e não estrutural. Emoutras palavras, a ver árvores, não a floresta. Becca Lewis, acadêmica da Stanford Uni- versityque jáescreveuextensamente sobre a extrema direita reacionária no YouTube, me disse que a desin- formação e a radicalização “surgem como resultado da interação de for- ças culturais, técnicas eeconômicas”. No caso do algoritmo de recomen- dação doYouTube, explicou, não é o algoritmo em si que deflagra a radi- calização. A radicalização é função da lógica neoliberal que incentiva criadores a produzir conteúdo cada vezmais extremista, de políticas de moderaçãopoucodefinidas e aplica- das e da relação mutuamente radi- calizante entre YouTubers e seus respectivos públicos. Um conteúdo que explorasse esses algoritmos e o conteúdo extremista que capturam poderia ajudar o leitor a entender os vídeos emquestão.Mas focar nos sintomas nãonos aproxima emnada das causas estruturais. Alice Marwick, professora de comunicaçãodaUniversity ofNorth CarolinaemChapelHill que também chama atenção para forças sociotec- nológicas por trás da informação poluída, expôs o perigo de fazer fal- sas distinções entre a desinforma- ção aparentemente inconsequente e a séria. Jornalistas tendema tratar relatos sobreOVNIs, acusações esta- Vilões “Q” Nos últimos dois anos, um troll , que age sob o pseudônimo de “Q”, afirma ter uma habilitação de segurança de alto nível no Departamento de Energia, e vem postando no 4chan (fórum on-line) dicas enigmáticas sobre a “verdadeira” natureza do governo Trump e sobre o círculo secreto de vilões que Trump trabalha para derrubar. Um site que monitora atividades relacionadas ao “Q”, o QMap.pub, ostenta cinco milhões de visitantes mensais. ILUSTRAÇÃO: STEVE BRODNER
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