Revista de Jornalismo ESPM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 25 Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (fall 2019), disponível emwww.cjr.org pafúrdias contra políticos ou boa- tos virais como bizarrices ou even- tos isolados, totalmente desvincu- lados de factoides claramente noci- vos sobre temas como crise climá- tica ou vacinas. É umerro, declarou Marwick via e-mail: “Até algo que alimente a alamenos insana do sec- tarismo pode contribuir para espa- lhar uma desinformação que pro- duz consequências reais”. Esse con- teúdo aparentemente menos sério não só fornece ummapa conceitual para outros manipuladores segui- rem, mas também contribui para a percepção de que a verdade é algo emdisputa. ComoMarwick e Lewis argumentaramanteriormente, toda forma de desinformação entulha o ecossistema de factoides, tornando menos provável que o público vá confiar na imprensa quando ver- dades importantes foremcontadas. Danielle Keats Citron, profes- sora de direito da Boston Univer- sity, apontou outra consequência da miopia ambiental. Citron prevê que os deep fakes – vídeos mani- pulados de forma imperceptível – serão uma grande ameaça já nas eleições de 2020. A preocupação óbvia é com o engodo e as menti- ras que os deep fakes vão gerar. Já um temor menos óbvio, mas igual- mente importante, é como o foco nos deep fakes propriamente ditos vai desviar a atenção domodo como se alastram por loops de feedback entre o jornalismo e redes sociais. Embora grandes meios de comuni- cação tenhamprofissionais especia- lizados emdesinformação que pro- vavelmente estarão preparados para reconhecer vídeos falsos, jornalis- tas de veículosmenores dificilmente terão qualificação semelhante, disse Citron. O risco é que manipulado- res distribuam deep fakes a esses alvos mais fáceis na esperança de deflagrar a disseminação em redes sociais quando virarem notícia – e, no final, atrair a atenção de meios maiores quandoo deep fake viralizar. Enquanto a imprensa olhar apenas para o conteúdo do deep fakes , e não para a confluência de redes sociais e jornalismo, nem para a confluên- cia de distintos tipos de jornalismo, manipuladores estarão sempre em vantagem. Os efeitos negativos de toda essa toxicidade não são igualmente dis- tribuídos. Há décadas omovimento pela justiça ambiental vemdemons- trando que é maior a probabilidade de que grupos historicamente mar- ginalizados como comunidades de cor bebamágua contaminada, respi- remar poluído e recebammais resí- duos perigosos do que a população mais abastada e de pele mais clara. No meio digital, é igual. ShireenMitchell, analista de tec- nologia e fundadora do StopOnline Violence Against Women, passou anos estudando a desinformação na internet. Segundo ela, campanhas cujo alvo são pessoas de cor aca- bam sendo mais cruéis, mais sus- tentadas e mais sistemáticas. Mas não é assim que tendem a ser tra- tadas por jornalistas, agravando o risco que esses grupos enfrentam. Mutale Nkonde, analista de políticas de inteligência artificial e membro do Berkman Klein Cen- ter da Harvard University, expôs em um e-mail uma das principais razões pelas quais comunidades de cor enfrentam esse tipo de ame- aça. “Toda desinformação on-line começa comosmais fracos da socie- dade, para testar sua força [a da desinformação]”, explicou. Comuni- dades tradicionalmente sub-repre- sentadas sãoparticularmente vulne- ráveis, pois dificilmente terão recur- sos para revidar e, quando atacadas, dificilmente despertarão a simpa- tia do público em geral. Mulheres negras, segundoNkonde, são o alvo mais frequente dessas campanhas – pois, como declarou, “ninguém escuta” essas mulheres. AcampanhaDonglegate em2013, seguidada campanhaGamergateem 2014, éumimpressionante exemplo. Alémde oódio e o abuso concertado contra mulheres negras terem sido ignorados por plataformas sociais que facilitaramosataques, essascam- Se não pudermos identificar o real problema, qualquer solução adotada será ineficaz.O apelo, emsuma, não é para “não dar a notícia”. É para ampliar o campo de visão demodo a contar verdadesmaiores

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